sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

UM PAÍS PENDURADO DE LISBOA


Sendo ponto cardeal, por que razão o Norte não só perdeu o norte como anda em desnorte e colateralidade? Onde estão Portus Cale, o Berço, a Língua? O que o faz passivo, manso, abúlico e anestesiado? Onde estão os provincianos – primeiros-ministros, ministros, deputados e afins – que foram morar para Lisboa ou que permanecem aqui como seus mandatários? Cada vez mais, o País é macrocéfalo. E de tanta macrocefalia, um destes dias, arrisca-se a não só não ter somente cabeça, como, a mantê-la, não a suportar, de tão grande e pesada. Um País pendurado de Lisboa. E tudo isto é ainda mais incompreensível e estranho, quando damos conta de que os maiores empresários são do Norte. Como era saudável para Lisboa, a abarrotar, e para o País, depauperado e desigual, haver um corpo nacional equilibrado. Com excepção dos cabeçudos, não vejo quem se possa opor a esta terapia.

Na falta de uma Regionalização, sustentada mais por cidadãos e menos por partidos, era importante a criação de um Movimento e de um rosto que fossem a voz e a face do Norte. A experiência recente diz-nos que a maioria dos autarcas, além de estarem atados às coutadas partidárias, estão mais interessados em olhar para o seu umbigo do que para a Região. O Norte não é pobre como o poder central nos quer fazer crer, para justificar e justificar-se do seu atraso. A sua riqueza é, sim, esbulhada sem qualquer retorno. Não é a existência de água mineral (mais cara do que a gasolina) – de Bem Saúde, agora Frize, das Pedras Salgadas e de Vidago – que nos mata a sede. E que mais e melhor luz nos traz o facto de o maior número de barragens se localizar na bacia hidrográfica do Douro? E trouxe mais humanidade para as gentes durienses a eleição do Douro como Património Mundial da Humanidade? E que fica do vinho – generoso e de consumo – das serras surribadas e do turismo, senão embriaguez para tudo esquecer? E que solidez para a Região a exploração dos seus granitos? E das grandes superfícies, além do emprego, que benefício fica na Região? Se dez por cento da riqueza criada na Região ficasse no Norte para o seu desenvolvimento, não só a realidade seria diferente como os políticos deixariam de poder vir aqui a darem-nos auto-estradas como se nos estivessem a fazer algum favor. E como se tudo isto não chegasse, fecham linhas de comboio, correios, urgências, escolas, maternidades e o que mais se verá. Manifestações? As populações, diz o teimoso do ministro Correia de Campos (CC) a imitar o seu primeiro, ainda não compreenderam os benefícios de tudo fechar! O problema está na mensagem: ainda não conseguimos, reage CC às recentes mortes nas urgências, resolver o problema... da mensagem. Não estará o governo, através de CC, a passar um atestado de asnos a toda a gente?

Terminamos, realçando a ideia acima avançada: a necessidade de criação de um Movimento empenhado em inverter a crescente depauperização do Norte, principalmente do seu interior, e em aproximar-nos económica e culturalmente da Galiza, com respeito pelo todo nacional, pois o contrário seria dar razão àqueles que querem manter a situação como está. Sem magnetismo social, o Norte não se encontra.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

OUTONO

O que é o tempo? Onde nasce? Para onde corre? Foge por nós como areia pelas mãos...Na ampulheta da vida, o presente é o escoar de grãos de tempo do futuro para o passado, que o Destino nos reservou. No rio da vida, onde as águas do tempo? A que mar aportaram? Em que nuvens viajaram? A que nascentes mataram a sede? Que rios semearam? Ser é história e vida conto. O tempo cósmico na sua viagem tem as suas estações, onde, ao contrário de nós, se renova. O ciclo anual – primavera, verão, outono, inverno – é uma síntese universal. A morte do tempo, pelo solstício de inverno, é, simultaneamente, tempo de ressurreição. Para que Deméter vista, todos os anos, a Terra de vida e cor, Plutão a cobre, primeiro, de nudez e morte. Que mão em sua mão a minha tomou e guia nesta redacção? Ontem, trazia os deveres na sacola, hoje, dentro de mim.

De um dia para o outro, o verde, que resistia nas copas das tílias, aquecido pelo sol outonal, o frio o queimou e o vento e a chuva, que se lhe seguiram, despiram as árvores de sua folhagem pintada pelo espectro tonal do amarelo e do vermelho velho. E as minhas hortênsias ficaram, como diz o povo, cosidas. Ao contrário da vida animal, o vegetal, criatura primeva, tem na hibernação a sua forma de agasalho e recolhimento. Até os meus vizinhos pardais, que passavam as tardes soalheiras a cantar empoleirados no loureiro, sob um sol outonal inusual, trocado e perturbador, se recolheram. O outono é o trânsito para o recolhimento da vida. Bem podíamos dizer que a vida vegetativa e a humana andam ao contrário: quando nos despimos, ela veste-se. Despem-se os humanos com a chegada da primavera, começam a vestir-se as plantas, com ela; agasalham-se os humanos pelo final do outono, despem-se, por essa altura, as árvores. Veste, lembra-me o adágio, o surrobeco pelo S. Martinho e tira-o somente pelo Santo António. Cada estação tem luz, sombras, cheiros, cores e paladares próprios, que só descobrimos quando tempo e vida se compaginam. Se primavera é rebento e pampo e verão painel e verdes copas, outono é amarelo e comedimento, e inverno nudez e lareira. O memorial outonal é marmelada que minha mãe faz na caldeira de cobre e põe a secar em malgas, e que as vespas descobrem mais depressa do que eu; caça que meu pai trazia aos domingos e eu recebia em correria alegre para os seus braços, enquanto, receoso e curioso, tocava nas perdizes, coelhos ou lebres que trazia pendurados à cintura; espectro da cor, advento das primeiras chuvas, olhar, agasalhado, pelas vidraças, orvalhadas, frades, míscaros e sanchas, ouriços, vindimas e mosto, e reacender da lareira.

Pelo outono, declina o sol para o meio-dia, aumentam as sombras e a aguarela da vida é mais nítida. Somos parte de uma tela que paga caro a sua realidade: passa. Como os frutos, amadurecemos quando entramos no outono da vida. Maduros para quê, se o inverno vem a caminho?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A AZIA GRAMATICAL DE MARIA DE LURDES RODRIGUES

Quando me pergunto ou me perguntam por que razão as crónicas não têm como assunto a política local (onde está a oposição?) ou nacional (que me dizes da versão cavaquista socialista?), respondo ou respondo-me: a maioria dos políticos não merece que nos lembremos dela quanto mais uma crónica. Presentemente, não há Política nem ideários, mas economia e os políticos seus agentes e propagandistas. Não há causas públicas, mas sede de protagonismo pessoal. Não é serviço público, mas meio de auto-governo. À volta de cem mil “militantes” dos partidos do centrão (melhor: a sua nomenclatura) impõem nas chamadas directas os dois políticos que, depois, milhões de eleitores terão de escolher sem outra alternativa. O vira político do centrão não deixa de ser uma forma escondida de ditadura. E, se não fossem as repercussões que tudo isto tem na nossa vida, deixá-los-ia, de boa vontade, a falarem sozinhos. Mais: onde está o dito “quarto poder”, quando os media estão mudos, surdos ou governamentalizados? Não admira, assim, que, cada vez mais, sejam os blogues e alguma imprensa regional os únicos espaço de liberdade e de verdade que nos restam.

Se há quem ridicularize o Procurador-Geral da República pelo seu ar, andar e linguagem gestual eclesiásticos, a par da transformação da linguodental surda – s – na palatal sonora – j –, quantos deram conta de que Maria de Lurdes, na sua entrevista à RTP 1 (onde havia de ser?), não se cansou de azedar (mantendo-se, aqui, e justiça lhe seja feita, coerente consigo mesma) o s: sempre que pronunciou a palavra absentista, o azedo veio à tona, assim – abzentista? E se, no primeiro caso – do Procurador –, a causa é fisiológica, no segundo, só pode ser gramatical. Já agora: não concordam que a voz monótona e metalizada de José Sócrates lembra (ou é-o?) um robot? Mas as notícias, melhor a falta delas, sobre Maria de Lurdes não ficam por aqui. Por que motivo, o curriculum oficial da ministra só começa em 1986? Que se pretende esconder? Há a suspeição de que a ministra tivesse sido professora primária. E, se o foi, não seria motivo de orgulho e não de algo a esconder? Os media em vez de bisbilhotarem o que não interessa por que não investigarem e ajudarem a aclarar o importante? (confrontar blogue: Do Portugal Profundo).

Muito da explicação do nosso comportamento desviante encontra-se em desvios na nossa própria vida. Um complexo de superioridade subentende o seu contrário: o de inferioridade. Quem sobe na vida, geralmente, quer apagar os vestígios do tempo em que viveu no rés-do-chão da vida ou no de um primeiro andar de um qualquer prédio. Quem acredita na boa vontade, para não dizermos na competência, de um professor primário que tira o curso de inspector e começa a inspeccionar o secundário? Salvo raras excepções, as mulheres que tiveram algum protagonismo político, em lugar de trazerem o feminino para a política – a humanidade, o afecto, o calor – trouxeram, sim, o masculino no seu pior e para pior: a frieza do mando. Manuela Ferreira Leite e Maria de Lurdes são disso dois bons exemplos.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O ESPÍRITO DO TEMPO: O “FIM” ESTÁ PRÓXIMO



«E vi no céu outro sinal grande e admirável;
sete anjos que tinham as sete últimas pragas;
porque nelas é consumada a ira de Deus».
[Apocalipse, 15,1]

O Espírito do Tempo (Zeitgeist) não se vê, pressente-se, mas está por todo o lado e não há ninguém que, a seu modo, não seja por ele tocado. Cada Tempo tem o seu Espírito do Tempo e perscrutá-lo é perscrutarmo-nos e estudá-lo uma espécie de meteorologia e psicologia histórica. E se o tempo meteorológico regula os hábitos e o hábito do nosso corpo, o Espírito do Tempo é o responsável pelo estado e estados da alma. A Civilização, matéria do tempo, cumpre-se e o homem, vencedor ou vencido, o seu obreiro inconsciente. O Espírito do Tempo emerge da vida e da História e, apesar de invisível, espelha-se nas almas, filosofias, religiões e arte. É o vapor do magma civilizacional.

O Natal está próximo. A montra da livraria e o consumismo, não a quadra, recorda-mo. Aproximo-me, entro e percorro os títulos: códigos, cifras, secretum, segredos, sétimos, selos. A proliferação de temas e autores apocalípticos, de profetas e profecias, de esotéricos e esoterismo e de visionários e de visões, acompanhada de superstição, de individualismo, de seitas defendendo um esquerdismo religioso – salvação, já, e neste mundo! –, que invadem a vida, são sinais de um tempo em que a razão foi substituída pela superstição. Incapazes de destaparmos a realidade e sem caminho nem telos histórico a percorrer e a alcançar, eis-nos, racionalmente, incrédulos e, historicamente, perdidos. Sem credo nem ergo sum, somos cada vez mais coisas entre coisas. A pergunta de ontem – de onde vim, onde estou e para onde vou? –, hoje, aparece como ridícula. Apesar de todos estarmos frente a um parede, a correria para o nada não pára. A Civilização é, hoje, uma doença terminal: futuro?, vive um dia de cada vez; segurança?, o terrorismo neoliberal matou-a. A globalização pulveriza os Estados e os direitos conseguidos. A maioria dos Estados são províncias do Estado imperial e de suas ramificações. A irracionalidade chegou à política, contaminando-a com a religião e a ética. O império esconde o imperialismo, sob o argumento metafísico: levar o evangelho democrático a todo o mundo e derrotar o infiel. Mais do que nunca a plutocracia e as máfias, qual Cérbero, governam o mundo, feito inferno. Se o local sem o global é isolamento, global sem local é desenraizamento. Ao desenraizamento natural sucedeu o desenraizamento nacional e cultural. Defende-se a biodiversidade, contudo, a diversidade humana está em perigo.

A impotência, a insegurança, o desalento e o fecho entraram nas almas. O futuro é escuro. Onde está a ciência? Nunca houve tanta ciência como hoje, contudo, ela não é concepção, mas alimento para a tecnologia e nós peças suas. Sem saídas e face ao naufrágio da vida o lema é: salve-se quem puder. A Civilização foi sempre contra a Natureza. Não admira que esteja doente. Estamos todos doentes. Para o fazer esquecer há Coliseus, por todo o lado.