quarta-feira, 29 de novembro de 2006

ESTAMOS NO TEATRO E SOMOS TEATRO

Não sei porquê, ou sei, mas não gosto de me ver a assistir à representação seja daquilo que for. Como não gosto de ir no rebanho. Desapareço e perco-me de mim, no meio dele. Do mesmo modo, ao olhar-me a olhar sinto-me estranho, outro, dos outros, basbaque. Foste ao teatro? Para quê, se nele estamos e o somos? Para quê ir ao teatro, se a verdadeira representação é a vida? Não é a sua representação que o dramaturgo mostra? À medida que deixamos de ser actores no Teatro do Mundo mais passamos a ser dele espectadores. Quem não olha a vida como representação tragicómica não a vê. Vive-a. E é mais feliz. A arte é luz e sombra: mostra a breve luz que não somos e a sombra eterna que somos. O palco da arte é espelho para melhor nos vermos no da vida. Enquanto a razão descreve, o teatro mostra o nosso teatro. Há três órgãos de visão: os olhos, a razão e a arte. Com os olhos, vemos; com a razão, vemos o que vemos; com a arte, sentimos o que vemos. Andamos demasiado afogados no existir para darmos conta de nós. Somos tão bons actores que não damos conta que o somos. Representamos tão bem que não damos conta de que a vida é representação. Tão alucinados que confundimos irrealidade com realidade. O melhor actor da vida é o que a vive e não a questiona. O dramaturgo não faz dramas, antes vê o drama como a essência da vida, tendo o mundo como palco e os homens como actores. O dramaturgo é contra-ponto. O educador ponto.

Eurípides, ao racionalizar a tragédia, matou a tragédia. A intervenção do deus ex machina coloca em cena um elemento estranho ao fatum, interferindo na Necessidade e em suas Leis. Com o deus ex machina, Eurípides introduziu a racionalidade na tragédia e, com ela, a pretensa salvação das personagens. Compreende-se que o dramaturgo se sinta dividido entre o fatum, que tudo rege, e a sua humanidade, mas a quem deve obediência é ao trágico. Dois milénios e meio de racionalidade não só não nos salvaram do trágico como acentuaram a nossa consciência dele. E se Eurípides não resistiu à tentação de salvar, pela via racional, as suas personagens, como imaginar que o Teatro do Mundo poderia subsistir sem o mecanismo do deus ex machina? A história tragicómica humana atingiu tal proporção que obrigou Deus a descer, através do Filho, ao palco do Teatro do Mundo, para justificar a tragédia e sofrimento nossos: se o Filho de Deus morre crucificado na torpíssima cruz, não só justifica o sofrimento como mostra a impossibilidade de salvação deste e neste mundo. A salvação cristista continua a salvação platónica: assim como, no plano gnoseológico, o inteligível salva o sensível assim o outro reino salva este mundo, no plano religioso. A intervenção divina sucedeu à intervenção do deus ex machina trágico. A fidelidade ao mundo exige a assunção do trágico. Quem a ele é infiel fiel passa a ser a um deus ex machina qualquer. Razão e religião, cada uma a seu modo, pensaram poder derrotar o Destino. Em vão. Eurípides é o “moderno” antes do tempo e Deus a versão religiosa de deus ex machina do nosso tempo.

Nascer é entrar em cena e a vida representação. Morrer deixar de representar: acta est fabula. E, embora a representação seja dolorosa e sem outros a aplaudir, que não os próprios, ninguém quer deixar o palco.

sábado, 25 de novembro de 2006

A reposta ao post scriptum do meu artigo Arte e Política tem a caracterizá-la o explicar o antes pelo depois, o persecutório, o substituir a questão central por uma contestação (e ataque) errática lateral e a fartura em adjectivação.

(i) Contextualização. Ao tomar conhecimento da publicação da poesia de Jorge Gomes Miranda no suplemento do DN, em 27 de Outubro, pelas edições do Teatro de Vila Real, decidi, pelas razões expressas no post scriptum do meu artigo Arte e Política, perguntar ao Director do Teatro de Vila Real (e direcção) o que o levava a publicar o «“grupo” de cá» e os de «Lisboa», com prejuízo da «criatividade local». Para o efeito, recorri ao site do Teatro de Vila Real, para me certificar e comprovar quem os publicados, então. Foi esta a base de informação de que parti. Utilizar o que foi publicado depois ou o que vai ser publicado no futuro é não só fugir à questão de fundo como jogar com o depois para justificar o antes. Apesar de o Director saber perfeitamente que Lisboa era, no texto, sinónimo de “fora” da Região, não deu conta de que ao rebater a minha mentira (ignorância, sim, mas não por culpa própria) mais demonstrou a verdade dela: afinal, Jorge Gomes Miranda, não era de Lisboa, mas do Porto! Assim, esquecer a informação disponível, no momento, no site do Teatro, dizer que o editado não era de Lisboa, mas do Porto, e explicar o anterior pelo depois (estribando-se, mesmo, no futuro!) é uma maneira perversa de argumentar. E onde a mentira de ter escrito que os editados pelo Teatro não tinham lugar nas editoras de Lisboa? Iriam eles, ou outros, rejeitar uma publicação oferecida, se toda a gente sabe da dificuldade em publicar poesia? Se outro mérito não tivesse, o meu questionamento teve o mérito de trazer para o domínio público parte da vida de uma empresa pública que tem andado, na sua vertente editorial, mais no domínio do particular. E ainda me goza, duplamente, por não saber a sua novidade editorial: Rui Pires Cabral! Será inocente o facto de a empresa municipal do Teatro de Vila Real, na sua vertente de publicações, em lugar de editar teatro, o que seria a sua vocação natural, editar poesia? Por que razão esta opção? Que motivos lhe estão subjacentes? E por que não se deu conhecimento público do programa editorial, logo, aquando do seu nascimento? O que pensamos é que esta prática editorial está longe da natureza e fins de uma empresa municipal que é servir, antes de mais, o concelho e os munícipes, e com o seu conhecimento e participação aberta.

(ii) Persecutório. Escreve o Director: «Para além de um desrespeito pelos critérios editoriais em causa ...». Não queria acreditar no que estava a ler. Primeiro, como posso desrespeitar os critérios editoriais, se não os conheço e não são do conhecimento público? Segundo, gravíssimo: criticar critérios nada têm a ver com o respeito ou com a falta de respeito, porque, em nome do respeito, calava a boca a toda a gente e, a mim, a caneta. Seria silenciar, ainda mais, o «espaço público» de que José Gil fala, em Portugal, Hoje, o Medo de Existir, e se queixa de ser ocupado pelos partidos e pelo ecrã. Não podia ter encontrado melhor axioma para fundamentar o «lápis azul». Cuidado: quando a Ética invade a Polis (Política), está aberto o caminho para os eixos do bem e do mal. Relativamente aos poetas, maiores, que cita, para se segurar (como lhe ficou mal!), por respeito por eles e pela poesia, fico pelo silêncio.

(iii) É ameaçador. Na parte final, tem outra deriva autoritária e dá outro salto perigoso: se, no início, usou o argumento do «lápis azul», acusando-me de «desrespeito pelos critérios editoriais», no final, acusa-me, por questionar os editados, de «pôr em causa a honestidade da pessoa editorialmente responsável». E, juridicamente, o meu acusador passa a meu melhor advogado: aquele que me acusa de possível dolo, absolve-me com a ignorância com que o pratiquei, ignorância que a devo a ele, pois, como munícipe, o pouco e mal que sei, da vida editorial referida, é, sempre, a posteriori. E se sei quando devo começar o combate, também sei quando o devo terminar: acabará quando os espaços culturais municipais locais forem públicos. E, nesse caso, terei muito gosto em cumprimentar aqueles que critico, porque nada de pessoal me move seja contra quem for, e habitar o espaço público com eles. E se alguma dúvida tivesse de que a minha intervenção o tivesse ferido na sua honestidade, seria o primeiro a reconhecê-lo publicamente. Lembro que distingo o autor Vítor Nogueira, que ontem, publicamente, elogiei e que hoje o reafirmo, da prática cultural, na vertente editorial, do Director do Teatro, que critico. Ao colocar-me na terceira pessoa («ele») e ao “tirar-me” do texto, mais me demonstrou. E, ao não falar (perdão, escrever) para mim, mas de mim, a consequência foi a inevitável: a escrita transformou-se num “mal dizer” d’«ele».

(iv) Adjectivação. Eu belisquei a sua importância e vaidade, a mim, adjectivou-me directa ou indirectamente de leviano, provinciano (não me deite(m) letras para os olhos. Ah!, quem o retórico?!), ressabiado e mente perversa. Quanto a ressabiado: alguém, que contestamos, tem melhor táctica para nos contestar do que a de nos chamar invejoso? Exigir direitos iguais, no plano cultural, é ser ressabiado! A do provinciano está boa! Só me faltava ser acusado de provinciano por defender a Cidade e a Região, e não a mim! A «mente perversa», que mais parece nascida de uma teoria da conspiração, é um bom exemplo do rigor lógico do Director: de uma eventualidade (acontecimento incerto) – «eventual gestão deficiente» –, deduz a «tese»! Leviano por não saber as biobibliografias dos editados e a editar pela editora do Teatro? Acertou. Ofensivo, por o questionar? Então, que chamar aos que questionam o questionar?

(v) O nuclear. No essencial, o que me levou, e leva, a questionar a prática editorial das publicações do Teatro de Vila Real é a contradição que subjaz à sua prática editorial: o não ser pública para os munícipes vila-realenses e o ser municipal para autores fora do município, ferindo, assim, o conceito e vida de empresa municipal e pública. Assim, não é o valor ou não valor dos editados e editáveis que está em causa e dos quais fez amplo panegírico, mas, logo, o próprio facto de que não são munícipes. A abertura a editáveis de fora da Região, nem que um só fosse, mesmo Nobel, e o fechamento local, com excepções para um grupo restrito, desfigura, perverte e subverte a natureza e finalidade de uma empresa que é municipal. Apesar de ser, em absoluto, contrário ao nome e, em parte, à natureza, reconheço que o Grémio Literário tem como objectivo cultural a Região. Ou quer-se substituir à IN-CM? Uma correcção: este confronto é mais do que uma «luta de ideias»: é uma luta pela sua sobrevivência. Este o meu crime. Ecce homo.

LINHA DO DOURO: DOENTE COMO O DOURO

De Barca de Alva a São Bento, descendentemente, de São Bento a Barca de Alva, ascendentemente, durante cem anos, quantas composições de passageiros e de mercadorias, quantos chefes de estação a darem o sinal de partida para a ansiedade, quanta pouca-terra em terra pouca e de poucos, quantas viagens e quantas as águas, quantas esperas e despedidas, quanto vapor e dor, quantas vidas à procura dela, quantos ceguinhos a pedir esmola a troco de um contar desgraças, quantas regueifas compradas por mãos engalfinhadas e penduradas das carruagens, quantas concertinas a alegrar as carruagens, quantos pregões: “rebuçados da Régua”, quanto espaço aberto, quanta via para o infinito, quanta economia?! Corria o ano de 1887 e o dia 8 de Dezembro, quando o comboio chegou a Barca Alva. Junqueiro, tinha, por esta altura, já editado a Velhice do Padre Eterno (1885) e o seu poema «A Bênção da Locomotiva» – A obra está completa. A máquina flameja, / Desenrolando o fumo em ondas pelo ar. / Mas, antes de partir mandem chamara Igreja, / Que é preciso que um bispo a venha baptizar. //(...) // Vamos, esconjurai-lhe o demo que ela encerra, / Extraí a heresia ao aço lampejante! / Ela acaba de vir das forjas d’Inglaterra, / E há-de ser com certeza um pouco protestante – de que escolhemos estas duas estâncias, não deixa de estar ligado à chegada eminente dos carris a Barca de Alva, mesmo ao lado da sua Quinta da Batoca que fica no outro lado do rio. Bênçãos que, hoje, continuam quer sob a aspersão do hissope quer sob outras formas, quando se inaugura isto ou aquilo, apesar de estarmos num Estado não confessional! Vá lá a gente querer entender isto! Chegados a 1987, ano do seu centésimo aniversário, que esperaríamos senão comemorações e parabéns? Aconteceu o oposto: o fecho da linha entre Pocinho e Barca de Alva. Quem decidiu a sua morte em ano de aniversário, além de mostrar ignorância e insensibilidade, matou uma história e empobreceu ainda mais a Região. O Douro é rio e comboio. Matar um é matar o outro. Os gastos para os eventos, sem fim, relativos às comemoração dos 250 anos da criação da Região Demarcada do Douro não só esqueceram a mutilação da Linha do Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva, como poderiam ter sido bem melhor aplicados. O silêncio nas estações de Pocinho, Côa, Almendra e Barca de Alva é aterrador e a deterioração, destruição e vandalização da linha um desrespeito pela memória e um entrave para o futuro.

Há uns dias, aconteceu que, entre a estação de Foz Côa e o Vesúvio, um comboio de mercadorias descarrilou, tendo ficado feridos o maquinista e o ajudante. Sem meios de comunicação – os telemóveis não têm sinal durante grande parte da linha! – tiveram que abandonar o comboio e partir, embora feridos, à procura de socorro à Quinta do Vesúvio, de que o contista José Aguilar tem um conto – O Vesúvio –, tendo sido recebidos pelo seu feitor, que, servindo-se do telefone fixo, pediu ajuda para homens, feridos, e composição, descarrilada e tombada. E se maquinista e ajudante tivessem ficado feridos ao ponto de não se poderem deslocar? E se amanhã sucede o mesmo com uma composição de passageiros? Lá teremos, então, o ministro António Costa, na televisão, pedir a demissão e abalar tal como fez o patrão do PS, Jorge Coelho, no seguimento da queda da ponte de Entre-os-Rios, mas desta vez com a oposição de Sócrates: sair por quê?, Costa? Há lá razão para tal? Nem as penses! Quem manda? Ficas e ficas mesmo!

Contudo, se não estranho o silêncio do poder central, estranho o silêncio cúmplice dos autarcas do Alto Douro, não só relativamente a este acontecimento como à necessidade de munir a linha de toda a segurança, inclusive meios de comunicação, e de a reactivar entre o Pocinho e Barca de Alva. O acontecido, que eu saiba, teve somente ecos nos JN e pelo Norte ficou, e, localmente, a única voz crítica que se ouviu foi a dos bombeiros de Provezende, porque uma das corporações que tem, no distrito de Vila Real, a maior frente ferroviária e sem meios para dar resposta, em caso de alguma emergência. A Região do Alto Douro precisa de um rosto que a defenda e projecte, porque os autarcas, por regra, nada mais fazem do que ficar pela sua paróquia partidária e concelhia.

Post scriptum. Como a História é imprevisível e para não levar a sério! No 21.º encontro sobre Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC – 21 Asia-Pacific Economic Co-operation), a decorrer em Hanoi, assistimos não só à recepção, em grande, do ex-agressor, por parte do agredido (bombardeado e queimado com napalm), como ao facto de o partido comunista vietnamita, órfão do partido comunista irmão da ex-URSS, ter, também, de receber Putin, ex-membro da KBG, mas actualmente “czar” da Rússia! Alguém que se atrevesse a prever metade disto, nos anos oitenta do século passado, era acusado, no mínimo, de louco varrido.

domingo, 5 de novembro de 2006

ARTE E POLÍTICA

Não é a primeira vez que a pergunta – que relação entre arte e política? – me bate à porta da mente, pedindo para entrar. Já a recebemos, falámos e escrevemos, mas o ciclo da escrita é como o das águas: não pára. A este propósito, saúdo, imitando os pardais, a chuva outonal, que me convida para entrar na interioridade, após um verão de fora e voltados para fora.

Para embaraço da direita que nunca fica embarazada, mas nos embaraça, principalmente quando feita pela esquerda, é por demais conhecida a frase de que a cultura é de esquerda. Esta afirmação somente é verdadeira quando a esquerda está na oposição. Fora isso, à cultura, é-lhe indiferente a esquerda e a direita: a esquerda, chegada ao poder, seca a criatividade, a direita, no poder, acicata-a. A direita é os vencedores. E a cristã, ao remeter a salvação para as calendas da eternidade, não precisa de utopia. A direita tradicional diz que a salvação está em Deus e não na política, e a moderna, na biologia. Deus e a biologia os seus aliados. Não a literatura. A esquerda é os vencidos, mas quando chega ao poder esquece-se deles e passa-se para o outro lado. Que cultura e arte nos deixou o “socialismo real”? A esquerda marxista vai mais longe: substitui Deus pela escatologia histórica e a Suma Teológica pelo Capital. Direita e esquerda vivem em contradição e ambas têm como filosofia o materialismo: a direita, o materialismo na vida e o espiritualismo, ou o nada, no além; a esquerda marxista, o materialismo histórico, espiritualmente, e o humanismo, praticamente; a esquerda reformista, a terceira via: nem materialismo nem espiritualismo – materialidade.

Há um tipo de arte que vive acima da esquerda e da direita: a trágica. Não a move as causas políticas, imediata ou mediatamente, mas a não-causa ontológica. Para esta, independentemente de sermos, historicamente, vencedores ou vencidos, somos todos, ontologicamente, vencidos, porque feitos de tempo e pó e sem finalidade e sentido. A esquerda, fora do poder, pode fazer arte, mas não deixa de ser uma forma de política militante: a sua maneira de ser religiosa. A arte, para a direita consequente, é doença. Se doença, para quê poetas sadios de direita? A arte trágica, para direita e esquerda, é pessimismo, egotismo ou doença. A arte maior, porque trágica, não acredita na salvação seja pela História, pela Política ou pela Religião. A arte trágica, ao contrário das ortodoxias – política ou religiosa –, não tem casa. A arte trágica Acontece quando se reúnem duas condições: cultura trágica e genialidade que a represente. A grandeza e eternidade de Shakespeare e de Pessoa está no trágico que percorre as suas obras, porque sacerdotes do único deus: o Destino. Uns, na Metafísica ou na Filosofia da História, outros, no Teatro de Shakespeare e n’ A Passagem das Horas de Pessoa.

Post scriptum. As publicações do Teatro de Vila Real de Poesia Portuguesa Contemporânea, seguindo a agenda de «amor com amor se paga» ou de publicar o “grupo” de cá, acabam de editar, em agradecimento à consagração que têm no DN, mais um poeta de Lisboa! Depois da inauguração com Jukebox de Manuel de Freitas (Abril de 2005), seguido de Que Comboio É Este de A. M. Pires Cabral (2005), deliciam-nos (melhor, deliciam-se!), agora, com as Falésias de Jorge Gomes Miranda (2006). Ex.mos senhores gestor e director (e respectiva direcção) do Teatro de Vila Real, por que razão não criam uma editora particular, que fortuna parece não lhes faltar, para publicarem o que bem e quem lhes apetecer? E estamos a dias da inauguração do Grémio Literário! Para quê o Grémio se, à excepção deles, não há literatura? Ou os poetas de Lisboa e arredores vêm residir para Vila Real? Senhor Presidente, espero que o seu silêncio não passe a cumplicidade! Anda a direita, e Sócrates, obcecada em tudo privatizar e os seus agentes culturais a usarem o público para fins particulares! Não é estranho que as publicações do Teatro de Vila Real (empresa municipal!), em lugar de apostar na criatividade local, dê prioridade a autores de Lisboa, que, além de criatividade duvidosa, já tantas oportunidades têm? Lunar o Teatro, lunar as publicações. Quem são estes representantes da “Poesia Portuguesa Contemporânea” que não têm lugar nas editoras de Lisboa? Eis um excerto da “Poesia Portuguesa Contemporânea”(!) acabado de chegar fresquinho a Vila Real, graças às publicações do Teatro de Vila Real: Falo de quem rasga a pele nas escarpas / de uma página, / fixa os olhos, até eles ficarem raiados de / sangue, no, despenhadeiro de um livro / perdido. // Tal um pescador retira do mar / um relâmpago, exausto / chegará a algum caminho / aquele que troca a vida / por imagens que, porventura, / apenas ele vê? Estará ele a bater-se a algum prémio ou à boleia do premiado? Pobre das escarpas e das fragas, que não têm cantores. Se, entre nós, não há oposição política, como havê-la cultural? Assim, os agentes culturais locais são bem os sósias dos seus mandarins políticos. E com mais um factor a favor: o défice cultural ser superior ao da cidadania. Sem oposição e, consequentemente, sem dúvidas, celebérrimos, portanto. Eternos, não tanto.