domingo, 5 de novembro de 2006
Não é a primeira vez que a pergunta – que relação entre arte e política? – me bate à porta da mente, pedindo para entrar. Já a recebemos, falámos e escrevemos, mas o ciclo da escrita é como o das águas: não pára. A este propósito, saúdo, imitando os pardais, a chuva outonal, que me convida para entrar na interioridade, após um verão de fora e voltados para fora.
Para embaraço da direita que nunca fica embarazada, mas nos embaraça, principalmente quando feita pela esquerda, é por demais conhecida a frase de que a cultura é de esquerda. Esta afirmação somente é verdadeira quando a esquerda está na oposição. Fora isso, à cultura, é-lhe indiferente a esquerda e a direita: a esquerda, chegada ao poder, seca a criatividade, a direita, no poder, acicata-a. A direita é os vencedores. E a cristã, ao remeter a salvação para as calendas da eternidade, não precisa de utopia. A direita tradicional diz que a salvação está em Deus e não na política, e a moderna, na biologia. Deus e a biologia os seus aliados. Não a literatura. A esquerda é os vencidos, mas quando chega ao poder esquece-se deles e passa-se para o outro lado. Que cultura e arte nos deixou o “socialismo real”? A esquerda marxista vai mais longe: substitui Deus pela escatologia histórica e a Suma Teológica pelo Capital. Direita e esquerda vivem em contradição e ambas têm como filosofia o materialismo: a direita, o materialismo na vida e o espiritualismo, ou o nada, no além; a esquerda marxista, o materialismo histórico, espiritualmente, e o humanismo, praticamente; a esquerda reformista, a terceira via: nem materialismo nem espiritualismo – materialidade.
Há um tipo de arte que vive acima da esquerda e da direita: a trágica. Não a move as causas políticas, imediata ou mediatamente, mas a não-causa ontológica. Para esta, independentemente de sermos, historicamente, vencedores ou vencidos, somos todos, ontologicamente, vencidos, porque feitos de tempo e pó e sem finalidade e sentido. A esquerda, fora do poder, pode fazer arte, mas não deixa de ser uma forma de política militante: a sua maneira de ser religiosa. A arte, para a direita consequente, é doença. Se doença, para quê poetas sadios de direita? A arte trágica, para direita e esquerda, é pessimismo, egotismo ou doença. A arte maior, porque trágica, não acredita na salvação seja pela História, pela Política ou pela Religião. A arte trágica, ao contrário das ortodoxias – política ou religiosa –, não tem casa. A arte trágica Acontece quando se reúnem duas condições: cultura trágica e genialidade que a represente. A grandeza e eternidade de Shakespeare e de Pessoa está no trágico que percorre as suas obras, porque sacerdotes do único deus: o Destino. Uns, na Metafísica ou na Filosofia da História, outros, no Teatro de Shakespeare e n’ A Passagem das Horas de Pessoa.
Post scriptum. As publicações do Teatro de Vila Real de Poesia Portuguesa Contemporânea, seguindo a agenda de «amor com amor se paga» ou de publicar o “grupo” de cá, acabam de editar, em agradecimento à consagração que têm no DN, mais um poeta de Lisboa! Depois da inauguração com Jukebox de Manuel de Freitas (Abril de 2005), seguido de Que Comboio É Este de A. M. Pires Cabral (2005), deliciam-nos (melhor, deliciam-se!), agora, com as Falésias de Jorge Gomes Miranda (2006). Ex.mos senhores gestor e director (e respectiva direcção) do Teatro de Vila Real, por que razão não criam uma editora particular, que fortuna parece não lhes faltar, para publicarem o que bem e quem lhes apetecer? E estamos a dias da inauguração do Grémio Literário! Para quê o Grémio se, à excepção deles, não há literatura? Ou os poetas de Lisboa e arredores vêm residir para Vila Real? Senhor Presidente, espero que o seu silêncio não passe a cumplicidade! Anda a direita, e Sócrates, obcecada em tudo privatizar e os seus agentes culturais a usarem o público para fins particulares! Não é estranho que as publicações do Teatro de Vila Real (empresa municipal!), em lugar de apostar na criatividade local, dê prioridade a autores de Lisboa, que, além de criatividade duvidosa, já tantas oportunidades têm? Lunar o Teatro, lunar as publicações. Quem são estes representantes da “Poesia Portuguesa Contemporânea” que não têm lugar nas editoras de Lisboa? Eis um excerto da “Poesia Portuguesa Contemporânea”(!) acabado de chegar fresquinho a Vila Real, graças às publicações do Teatro de Vila Real: Falo de quem rasga a pele nas escarpas / de uma página, / fixa os olhos, até eles ficarem raiados de / sangue, no, despenhadeiro de um livro / perdido. // Tal um pescador retira do mar / um relâmpago, exausto / chegará a algum caminho / aquele que troca a vida / por imagens que, porventura, / apenas ele vê? Estará ele a bater-se a algum prémio ou à boleia do premiado? Pobre das escarpas e das fragas, que não têm cantores. Se, entre nós, não há oposição política, como havê-la cultural? Assim, os agentes culturais locais são bem os sósias dos seus mandarins políticos. E com mais um factor a favor: o défice cultural ser superior ao da cidadania. Sem oposição e, consequentemente, sem dúvidas, celebérrimos, portanto. Eternos, não tanto.
Para embaraço da direita que nunca fica embarazada, mas nos embaraça, principalmente quando feita pela esquerda, é por demais conhecida a frase de que a cultura é de esquerda. Esta afirmação somente é verdadeira quando a esquerda está na oposição. Fora isso, à cultura, é-lhe indiferente a esquerda e a direita: a esquerda, chegada ao poder, seca a criatividade, a direita, no poder, acicata-a. A direita é os vencedores. E a cristã, ao remeter a salvação para as calendas da eternidade, não precisa de utopia. A direita tradicional diz que a salvação está em Deus e não na política, e a moderna, na biologia. Deus e a biologia os seus aliados. Não a literatura. A esquerda é os vencidos, mas quando chega ao poder esquece-se deles e passa-se para o outro lado. Que cultura e arte nos deixou o “socialismo real”? A esquerda marxista vai mais longe: substitui Deus pela escatologia histórica e a Suma Teológica pelo Capital. Direita e esquerda vivem em contradição e ambas têm como filosofia o materialismo: a direita, o materialismo na vida e o espiritualismo, ou o nada, no além; a esquerda marxista, o materialismo histórico, espiritualmente, e o humanismo, praticamente; a esquerda reformista, a terceira via: nem materialismo nem espiritualismo – materialidade.
Há um tipo de arte que vive acima da esquerda e da direita: a trágica. Não a move as causas políticas, imediata ou mediatamente, mas a não-causa ontológica. Para esta, independentemente de sermos, historicamente, vencedores ou vencidos, somos todos, ontologicamente, vencidos, porque feitos de tempo e pó e sem finalidade e sentido. A esquerda, fora do poder, pode fazer arte, mas não deixa de ser uma forma de política militante: a sua maneira de ser religiosa. A arte, para a direita consequente, é doença. Se doença, para quê poetas sadios de direita? A arte trágica, para direita e esquerda, é pessimismo, egotismo ou doença. A arte maior, porque trágica, não acredita na salvação seja pela História, pela Política ou pela Religião. A arte trágica, ao contrário das ortodoxias – política ou religiosa –, não tem casa. A arte trágica Acontece quando se reúnem duas condições: cultura trágica e genialidade que a represente. A grandeza e eternidade de Shakespeare e de Pessoa está no trágico que percorre as suas obras, porque sacerdotes do único deus: o Destino. Uns, na Metafísica ou na Filosofia da História, outros, no Teatro de Shakespeare e n’ A Passagem das Horas de Pessoa.
Post scriptum. As publicações do Teatro de Vila Real de Poesia Portuguesa Contemporânea, seguindo a agenda de «amor com amor se paga» ou de publicar o “grupo” de cá, acabam de editar, em agradecimento à consagração que têm no DN, mais um poeta de Lisboa! Depois da inauguração com Jukebox de Manuel de Freitas (Abril de 2005), seguido de Que Comboio É Este de A. M. Pires Cabral (2005), deliciam-nos (melhor, deliciam-se!), agora, com as Falésias de Jorge Gomes Miranda (2006). Ex.mos senhores gestor e director (e respectiva direcção) do Teatro de Vila Real, por que razão não criam uma editora particular, que fortuna parece não lhes faltar, para publicarem o que bem e quem lhes apetecer? E estamos a dias da inauguração do Grémio Literário! Para quê o Grémio se, à excepção deles, não há literatura? Ou os poetas de Lisboa e arredores vêm residir para Vila Real? Senhor Presidente, espero que o seu silêncio não passe a cumplicidade! Anda a direita, e Sócrates, obcecada em tudo privatizar e os seus agentes culturais a usarem o público para fins particulares! Não é estranho que as publicações do Teatro de Vila Real (empresa municipal!), em lugar de apostar na criatividade local, dê prioridade a autores de Lisboa, que, além de criatividade duvidosa, já tantas oportunidades têm? Lunar o Teatro, lunar as publicações. Quem são estes representantes da “Poesia Portuguesa Contemporânea” que não têm lugar nas editoras de Lisboa? Eis um excerto da “Poesia Portuguesa Contemporânea”(!) acabado de chegar fresquinho a Vila Real, graças às publicações do Teatro de Vila Real: Falo de quem rasga a pele nas escarpas / de uma página, / fixa os olhos, até eles ficarem raiados de / sangue, no, despenhadeiro de um livro / perdido. // Tal um pescador retira do mar / um relâmpago, exausto / chegará a algum caminho / aquele que troca a vida / por imagens que, porventura, / apenas ele vê? Estará ele a bater-se a algum prémio ou à boleia do premiado? Pobre das escarpas e das fragas, que não têm cantores. Se, entre nós, não há oposição política, como havê-la cultural? Assim, os agentes culturais locais são bem os sósias dos seus mandarins políticos. E com mais um factor a favor: o défice cultural ser superior ao da cidadania. Sem oposição e, consequentemente, sem dúvidas, celebérrimos, portanto. Eternos, não tanto.