quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007
Serve tudo isto como intróito àquilo que leio nos jornais: as últimas sondagens dão Cavaco encavalitado lá em cima, Sócrates a alcançar-lhe os pés na escada das sondagens, o governo mau e a oposição pior. Cavaco, como todos os presidentes, está no top: ele é esperança, ele é auto-estima nacional, ele é mais valia política, ele é a boleia para o desenvolvimento, ele é o tudo que é nada. Sócrates, engenheiro sanitário, deputado apagado, ministro do ambiente responsável pelo aquecimento local que a co-incineração originou, comentador ao lado, ao nível e a par de Santana, ei-lo, miraculosamente transfigurado em grande estadista, graças ao milagre das maiorias absolutas, que transformam o ninguém em alguém! Que seria de nós, sem estes dois homens? A não ser eles, ninguém se salva: ministros, governo e oposição. Eles, sim, têm ideias e projectos para Portugal, melhor, eles são as Ideias, eles são o Projecto, eles são Portugal! E se um imita Albuquerque o outro, não querendo ficar a trás, quer logo ser Marco Pólo. Onde estão os analistas e os comentadores para nos explicarem tamanha contradição: governo e oposição pelas ruas da amargura e eles em alta! Que sonda a das sondagens que coloca o governo às portas dos infernos e o seu responsável e maestro à entrada dos céus? Eureka: se com estes dois timoneiros, a coisa continua tão mal, não mereceriam eles outro País? Confesso-vos que já me doía a cabeça de não saber resolver esta contradição! E logo esta que, em lugar de dar à luz, dá escuridão.
O erro capital da nossa política reside na pessoalização da mesma. Este o grande défice da nossa cultura política. Só sairemos da crise, se sairmos, se o País se merecer a si mesmo, se expulsar os sebastiões e eleger quem eleja a nação como protagonista principal. A nossa política está contaminado de religioso: a salvação nossa e do país não passa pela mobilização nacional, mas por alguém que nos venha salvar! Esta a explicação para Salazares, Cavacos e Sócrates e o que mais virá. E se verá.
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
É altura de cumprirmos o título. E estou mesmo já a ouvir perguntar: mas que diabo de inteligência azul é essa? Uma autêntica nobreza de pensamento. Esta espécie de inteligência, contrariando a lei inexorável da estatística – «a lei da regressão para a média» –, que impede que um génio não gere senão genialidade e o imbecil senão imbecilidade [caso assim não fosse, há muito que a espécie homo sapiens se teria partido em duas: a dos génios (homo sapientissimus), evolutiva, e a dos imbecis (homo imbecillis), degenerativa], esta espécie, dizíamos, gera inteligência azul, hereditariamente. A inteligência azul é um puro-sangue de massa crítica: o filho é sempre a continuação, senão o melhoramento, do pai e o neto, não contente, bate pai e avô. Isto, sim, que é concorrência! Esta espécie, rara, apareceu em algumas Universidades, graças à autonomia e independência pedagógicas, que, qual adubo do espírito, aliado à fortíssima selecção cultural a que a escolha e o convite obrigam, originou uma mutação neurofisiológica, responsável pela emergência desta nova aristocracia do pensamento. E não é que esta espécie vingou de tal maneira que se transformou numa elite cultural que, todos esperam, irá alimentar a nossa intelligentsia nacional, quando, há muito, teria «levado caminho», se sujeita à selecção natural?
Esta nova nobreza intelectual teve tanto sucesso que já encontramos três gerações de inteligência azul a concorrer entre si: pais, filhos e netos!, e não é raro vermos, também, marido a concorrer com mulher! Frutos? A inteligência azul, seja por autodefesa, seja por instinto, seja por outra razão ainda desconhecida, não só não frutifica para fora como não dá possibilidades aos que não são da família. Mas, ao que se ouve, a estufa começa a estar estafada e estufada.
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007
Como ontem, os políticos, seus aparelhos e gente que os serve não gostam de um «espaço público» de discussão democrática, confundindo cidadania activa com ataque pessoal. E não nos podendo liquidar pela argumentação nem por argumentos sejam eles o argumentum ad hominem, em que todos podemos incorrer, o argumentum ad crumenam, sua prata da casa, ou o argumentum baculinum, que a direita trauliteira tem sempre à mão, respondem-nos com o argumento fraco dos duros: o amuo, o deixarem-nos de falar, a crítica nas costas, mas não vendo, entre eles, as suas. O que seria desta gente fora do poder? E não contentes, ainda, descem desonesta, covarde e facilmente ao rótulo ético, arrumando as pessoas em boas e más: as boas aquelas que fazem parte do seu clã e os bajulam e servem; as más aquelas que, pertencendo ao eixo do mal, não estão para isso. E à ousadia de pensar, que não ousam, chamam-lhe nomes: a mania de dizer mal. Estar entre iguais é bem mais difícil do que ter, em baixo, uma assistência sempre a bater palmas, de que tanto gostam. Como, em plena luz do dia, anda para aí gente com o lampião dos outros nas mãos para ver se a vêem melhor!
Mais do que ser hera ou estar rodeado por heras, para ganhar protagonismo ou de mim se servindo, mais do que uma multidão no dia do meu funeral, por obrigação e por gente que me rogou pragas para morrer, e que nunca de mim mais se lembrará senão para se regozijar – já lá estás, há mais tempo tivesses ido! –, quero, acima de tudo, estar bem comigo, hoje como ontem, e com o futuro, se o merecer.
sábado, 17 de fevereiro de 2007
E se não nos espanta a comédia – escolher o melhor professor entre 140 mil e de áreas e sectores tão diversos! –, espanta-nos, sim, ver Daniel Sampaio prestar-se, como presidente do júri nacional, acompanhado de Roberto Carneiro, de António Nóvoa e de Isabel Alarcão (tudo gente superior e/ou do superior!), a fazer parte do teatro, quando o que o júri devia investigar era não só a razão por que a excelência está arredada das escolas, mas também as políticas educativas do “centrão” e os ministros delas e por elas primeiros responsáveis. Mas nada que já nos espante: se o psiquiatra Lobo Antunes se passou, com toda a naturalidade, de Sampaio para Cavaco, como Daniel não aceitar o convite de Maria de Lurdes, sem precisar de se passar? Como é, no mínimo, sadismo político colocar Roberto Carneiro num júri nacional que pretende trazer a excelência às escolas, quando ele é um dos maiores responsáveis pela sua quebra e partida: a abertura do ensino superior privado sem regras, nem rigor (onde muitos políticos do centrão tiraram ou acabaram os seus cursos, escudados na política), orientando-se, na maioria dos casos, pelo economicismo. E quanto a António Nóvoa – reitor da Universidade de Lisboa – o seguinte: aquele que, entre outros (reitores das Universidades), não teve resposta à altura, no programa de «prós e contras», na RTP 1, para combater a crítica feita pelo “assessor” do ministro Mariano Gago, o professor Luís Moniz Pereira, investigador da área da inteligência artificial – os reitores têm andado a «coçar as costas» (mutatis mutantis), em lugar de reformarem as Universidade –, é o mesmo que é escolhido para dar cobertura às costa da ministra: as costas grandes continuam a ser as do ensino “inferior”!
Como a afirmação da ministra – «devolver ao País a excelência da actividade profissional dos professores» – e o meio apontado para o conseguir fazem, apesar dos acompanhantes no cortejo, de um assunto sério, digno e elevado, uma anedota! E por que não Mariano Gago propor um “quadro de honra” para cada Universidade para sabermos, também, da excelência de Maria de Lurdes? E de outros. Muitos...
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007
sábado, 10 de fevereiro de 2007
Em lugar de pensarmos em ser importantes, devíamos, antes, preocuparmo-nos em sermos alguém, porque ser alguém é bem mais importante do que a importância. O fim do importante e do zé-ninguém é o fim da utilização do outro, da adulação, da inveja, dos mal agradecidos, dos bem agradecidos, dos favores. Numa sociedade culta e evoluída, à importância não lhe é dada qualquer importância e, aos direitos e à cidadania, a máxima importância. Pobre da sociedade, como a nossa, que é, regra geral, constituída, por importantes, alguns, e, maioritariamente, por zés-ninguém. Como tudo seria diferente, se a maioria fosse alguém. O importante é-o por fora e, mais cedo ou mais tarde, deixará de ser importante, mas o ser alguém é algo de intrínseco.
O importante não vale pelo que é, mas pelo que pode, o zé-ninguém pouco ou nada vale, porque não é, não tem nem pode, o alguém vale, essencialmente, pelo que é. O importante é invejado e utilizado, o zé-ninguém esquecido e posto de lado, o alguém receado e respeitado.
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007
Das doenças da vista, tratava Santa Luzia e das bexigas São Lázaro. A “gancha” é a receita que São Brás dá para nos livrarmos do mal das goelas, o doce de calondro dos famosos “pitos” a medicação de Santa Luzia, para a vista, e os “cavacórios” de São Lázaro, para combater as bexigas. Como esta farmácia era bem melhor do que a actual! Muito desta farmacopeia continua viva, graças à Casa Lapão. Os doces típicos de Vila Real estão, assim, ligados a santos de devoção popular: a Santa Luzia, que se venera em 13 de Janeiro, os “pitos”, a São Brás, com seu dia a 3 de Fevereiro, a “gancha”, a São Lázaro, com festa móvel, porque sempre em função da Páscoa – Lázaro, Ramos e na Páscoa estamos –, o “cavacório”. Os “pitos” e as “ganchas” dizem bem do erotismo de que eram rodeadas as festividades em honra de Santa Luzia e de São Brás e da linha ténue que separa o sagrado do profano. Durante a Idade Média, e mesmo depois, as festividades profanas não tinham uma existência própria, decorrendo sempre das sagradas. Hoje, vive-se mais no século do que no sagrado, por isso, o secular ganhou um estatuto próprio, não precisando da boleia do religioso. Ele é, hoje, o verdadeiro culto. Entre Santa Luzia e São Brás, o tempo de espera para as raparigas serem agraciadas com as “ganchas”, em agradecimento aos “pitos” que elas lhe tinham dado nas festas de Santa Luzia, ou noutras.
O local de celebração e festa de São Brás é a «Villa Velha» e as “Marianas” as mais crentes e dinamizadoras. Não diz o Livro que «os desígnios do Senhor são insondáveis»? E lá está uma sentada, perto do portão do sul do Liceu, com a mesinha à frente, coberta por um pano branco, tendo em cima as ganchas, para venda, enquanto os altifalantes enchem os espaços de uma música para ninguém, alternando com o refrão musical monótono, subindo e descendo na escala, dos sinos da Igreja de São Dinis, que, assim, se vingam do silêncio de um ano. Com a devoção defunta, a tradição é, agora, a devoção, mas mesmo esta já não é o que era, pois não se ouve ninguém a cantar:
Vou ao São Brás
De cu ó pra trás
Buscar uma gancha
Para o meu rapaz.
Vou ao São Brás
De barriga prá frente
Buscar uma gancha
Para a minha gente.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
A un hombre de gran nariz
Érase un hombre a una nariz pegado,
érase una nariz superlativa,
érase una alquitara medio viva,
érase un peje espada mal barbado;
era un reloj de sol mal encarado, 5
érase un elefante boca arriba,
érase una nariz sayón y escriba,
un Ovidio Nasón mal narigado.
Érase el espolón de una galera,
érase una pirámide de Egipto, 10
las doce tribus de narices era;
érase un naricísimo infinito,
frisón archinariz, caratulera,
sabañón garrafal, morado y frito.
A um homem de grande nariz
Era um homem a um nariz pegado,
Era um nariz superlativo,
Era um alambique meio vivo,
Era um peixe espada mal barbeado;
Era um relógio de sol mal encarado,
Era boca acima um elefante,
Era um nariz brigão e escrevente,
Um Ovídio Nasón mal narigado.
Era o esporão de uma galera,
Era uma pirâmide do Egipto,
As doze tribos de narizes era;
Era um naricíssimo infinito,
Enorme arquinariz, carranca fera,
Inchaço garrafal, purpúreo e frito.
(Tradução de José Carlos Costa Pinto)
domingo, 4 de fevereiro de 2007
2- Sim ou não ou abstenção? A maioria das perguntas não se responde com sim ou não. Esta confirma a regra. Se o sim, quer queiramos quer não, abre as portas à banalização do aborto, o não, por seu lado, deixa em aberto o problema do aborto clandestino e em nada contribui para resolver situações de gravidez “indesejada” que não cabem na lei. O sim é de direita até às dez semanas e de esquerda para o resto da vida; o não é de esquerda até às dez semanas de vida e de direita para o resto da vida; o sim corta as pernas à vida, quando ela quer emergir; o não corta as pernas à vida, quando ela tem pernas para andar; o sim quer o aborto responsável; o não quer o aborto responsabilizado; o não é, muitas vezes, hipocrisia; o sim é, muitas vezes, resolver um problema incómodo; o sim é “liberal” até às dez semanas e anti-liberal para o resto da vida; o não opõe-se à liberalização até às dez semanas e defende o neo-liberalismo no resto da vida; o não quer uma moral do tamanho de Deus; o sim a lei e mais nada; o sim é “poético”; o não patético. O aborto é uma questão para ricos e remediados, que passa ao lado da felicidade inconsciente dos pobres, que, maioritariamente, dizem não ou não lá vão, porque o aborto não lhes diz respeito. Que seria da demografia, sem a «fauna maravilhosa do fundo do mar da vida»? Quantos consumistas não pensarão duas vezes: aguento a gravidez ou compro um carro às prestações? Numa sociedade do “bem estar e do comodismo”, os filhos dão muito trabalho e serão, cada vez mais, um incómodo. O homem subverteu a reprodução: o sexo é, por regra, prazer, e reprodução, por excepção. E quem veja o presente e pense no futuro fica, no mínimo, estéril.
3- O aborto da política. O referendo ou de preferência uma lei feita pela Assembleia da República (por que razão não pedir a quem penalizou que despenalize?), não podem aparecer como factos isolados e sem a companhia de uma legislação adjacente sobre: educação sexual nas escolas (e por que não pública, utilizando os canais estatais?); planeamento familiar; política de natalidade, com a dignificação e valorização desta, e apoio às famílias numerosas; criação de um posto médico, onde a mulher, que pensasse em abortar, fosse atendida por uma equipa interdisciplinar (médicos e psicólogos), ajudando-a a tomar a “melhor” opção. E, claro, com um debate elevado, acima de metafísicas terrenas e extra-terrenas e sem as metáforas de “telemóveis”, “ovos” e “pintos”. A ausência de legislação e acção que fizessem do aborto a última opção, a cobardia e temeridade políticas do PS, de que é prova a utilização do referendo somente para aquilo que não convém, não só reforçam o não como, principalmente, levam à abstenção. A política do aborto diz bem do aborto da nossa política. E se há partido político responsável pela actual situação, ele é, pela cobardia política e pelo condimento que sempre deu à questão – o ser salsa –, o PS.