sábado, 10 de fevereiro de 2007

ALGUÉM, ZÉS-NINGUÉM E IMPORTANTES

A nossa importância mais não é do que o meio, interesseiro, que os outros utilizam para ganhar a sua própria importância. Depois, esquecem-na: quem sobe na vida não gosta de olhar para trás. O passado é para esquecer e rejeitar. E a sua importância depressa substitui aquela que o ajudou a ser importante. Só nos dá importância quem precisa de nós. Fraca a importância que assenta em precisados. Ser importante é, de certa forma, ser útil e, para “utilizar” a importância dos outros, há mil manhas, destacando-se a adulação e a falsa amizade. Como está senhor doutor?, ouvi eu, vezes sem conta, a pessoas que, ao entrarem no restaurante, deste modo, cumprimentavam uma personagem que nele se encontrava. É certo que os meios pequenos potenciam as figuras importantes, mas a maioria gosta do estatuto de importante, mesmo sabendo que está a ser utilizada e que amanhã, quando não precisarem deles, é como se já não existissem. Há mesmo aqueles que só vão a restaurantes onde são tratados por doutores, engenheiros ou arquitectos, mesmo não o sendo. Quem não é não se resigna e tudo faz para parecer que é. Parafraseando Camões: mais vale sê-lo do que parecê-lo, mas pareça-o quem não pode sê-lo. Se todos fossem cidadãos e a cidadania uma prática, a importância e os importantes extinguir-se-iam. Há importantes, porque há zés-ninguém. Além e acima do importante e do zé-ninguém, está o alguém, sem a soberba do importante e a manha do zé-ninguém. Mas, num meio de importantes e zés-ninguém, é difícil ser-se alguém.

Em lugar de pensarmos em ser importantes, devíamos, antes, preocuparmo-nos em sermos alguém, porque ser alguém é bem mais importante do que a importância. O fim do importante e do zé-ninguém é o fim da utilização do outro, da adulação, da inveja, dos mal agradecidos, dos bem agradecidos, dos favores. Numa sociedade culta e evoluída, à importância não lhe é dada qualquer importância e, aos direitos e à cidadania, a máxima importância. Pobre da sociedade, como a nossa, que é, regra geral, constituída, por importantes, alguns, e, maioritariamente, por zés-ninguém. Como tudo seria diferente, se a maioria fosse alguém. O importante é-o por fora e, mais cedo ou mais tarde, deixará de ser importante, mas o ser alguém é algo de intrínseco.

O importante não vale pelo que é, mas pelo que pode, o zé-ninguém pouco ou nada vale, porque não é, não tem nem pode, o alguém vale, essencialmente, pelo que é. O importante é invejado e utilizado, o zé-ninguém esquecido e posto de lado, o alguém receado e respeitado.