sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

INTELIGÊNCIA AZUL

Espantados com o título de hoje? Socorri-me desta metáfora por associação àquela que todos conhecem: «sangue azul». Até a burguesia ter posto fim ao sangue azul, a nobreza, porque incomunicável com outras classes, salvo os bastardos, tinha-se na fama e no proveito de que o seu sangue, embora vermelho corresse, diferente era: era azul. Contudo, o nobre, ao contrário do puro-sangue, que mantém a raça, a garra e a animalidade, degenerou cansado de tanto azul. A consanguinidade e as classes dirigentes são degenerativas. O mesmo cansativo. Sem o refrescamento com o sangue do povo, não teria havido Mestre e em lugar da «ínclita geração» bem poderíamos ter tido uma geração de definhados. E sem Infantes como partir de Sagres, chegar ao «Longe» e vencer a «Distância»? A causa do esgotamento da nobreza residiu no facto de não ser a hereditariedade biológica a suportar a hereditariedade social, mas ao contrário. Contudo, alguém pode retorquir: e a burguesia?! Tem razão, a burguesia começou como revolucionária e acabou como reaccionária. Começou como europeia e acabou como americana. Começou como utopia e acabou como império. Começou como razão e acabou como unto. E o povo? Bem, o povo é, mais uma vez, a reserva para outra coisa que não sabemos bem o que vai ser. E ainda bem. O povo é o inferno magmático social que, explodindo, renova a crosta da vida. Mas o problema é que também ele se está a esgotar.

É altura de cumprirmos o título. E estou mesmo já a ouvir perguntar: mas que diabo de inteligência azul é essa? Uma autêntica nobreza de pensamento. Esta espécie de inteligência, contrariando a lei inexorável da estatística – «a lei da regressão para a média» –, que impede que um génio não gere senão genialidade e o imbecil senão imbecilidade [caso assim não fosse, há muito que a espécie homo sapiens se teria partido em duas: a dos génios (homo sapientissimus), evolutiva, e a dos imbecis (homo imbecillis), degenerativa], esta espécie, dizíamos, gera inteligência azul, hereditariamente. A inteligência azul é um puro-sangue de massa crítica: o filho é sempre a continuação, senão o melhoramento, do pai e o neto, não contente, bate pai e avô. Isto, sim, que é concorrência! Esta espécie, rara, apareceu em algumas Universidades, graças à autonomia e independência pedagógicas, que, qual adubo do espírito, aliado à fortíssima selecção cultural a que a escolha e o convite obrigam, originou uma mutação neurofisiológica, responsável pela emergência desta nova aristocracia do pensamento. E não é que esta espécie vingou de tal maneira que se transformou numa elite cultural que, todos esperam, irá alimentar a nossa intelligentsia nacional, quando, há muito, teria «levado caminho», se sujeita à selecção natural?

Esta nova nobreza intelectual teve tanto sucesso que já encontramos três gerações de inteligência azul a concorrer entre si: pais, filhos e netos!, e não é raro vermos, também, marido a concorrer com mulher! Frutos? A inteligência azul, seja por autodefesa, seja por instinto, seja por outra razão ainda desconhecida, não só não frutifica para fora como não dá possibilidades aos que não são da família. Mas, ao que se ouve, a estufa começa a estar estafada e estufada.