sexta-feira, 7 de julho de 2006

ALFA E OMEGA

O modelo do Big-bang (grande explosão), que pretende explicar a origem e evolução do Universo, é a versão científica do Enuma Elish mesopotâmico, do Nu (barro) e Ra (sol) egípcios, do Génesis vétero-testamentário. Depois do mito, o mito da razão, depois da narração a explicação, depois dos deuses, a sua ausência, depois da fantasia, a realidade, depois da inocência, a expulsão.
Que é necessário para construir o Universo senão tijolos e cimento? Planta?, autor?, nem pensar! À luz do homem pensante e racional, este o maior dos mistérios. O mistério não é haver Autor. O mistério dos mistérios é não haver Autor. Deus é a nossa solução para o mistério. Deuses e nós, que semelhanças! Já tivemos deuses oleiros, relojoeiros, inteligência superior, arquitectos e, agora, o deus-ciência. E o que nos diz esta nova divindade? Que, perdão pelo simplismo, apenas com quatro letras-tijolos fundamentais estáveis – e- (electrão) e ve- (neutrino electrónico), baptizados de leptões, e u e d (quarks) – mais quatro tipos de cimento-força (bosões): gluões (força de cor), fotão (força electromagnética), os bosões Wº W+ e W- (força nuclear fraca), responsáveis da transformação de um protão em um neutrão e o inverso, acompanhada da transformação e- –» ve e ve –» e-, respectivamente) e gravitão (força gravitacional), temos o alfabeto, a gramática e as regras de sintaxe para construir o conto do Universo. Assim: com quarks fazemos nucleões (protão e neutrão), que graças à força nuclear fraca mudam de personalidade, facilitando a organização e estruturação atómicas da matéria, e o cimento fortíssimo que os prende no núcleo atómico é a força de cor; com nucleões mais leptões, criamos átomos; os átomos, por sua vez, acostam uns aos outros, criando moléculas e macromoléculas, sendo, neste caso, o cimento a força electromagnética; e para que o macro não viva em caos, lá está a força gravitacional a pautar a harmonia das esferas celestes. Mas a criatividade ôntica não acaba aqui: a química inventou quatro letras - A(denina), T(imina), G(uanina) C(itosina) - e meteu-se a construir a vida. Não contente, inventou-nos nós. E tal como há sempre uma obra que não merece o artista assim o quadro de nós a Vida.
Quando a história começou? Dizem os apóstolos do deus-ciência que há, aproximadamente, 14/15 milhares de milhões de anos, fruto de uma grande explosão, a energia, o espaço e o tempo soltaram-se do estado claustrofóbico em que se encontravam, ou de uma flutuação quântica: densidade a tender para infinito e tempo e espaço para zero. E tal como um balão em enchimento, o Universo, desde então, não deixou de se expandir, soprado pela anti-gravidade. Este romance cósmico tem, abreviada e simplificadamente, quatro capítulos: a era hadrónica (criação dos hadrões a partir dos quarks) e a era leptónica (criação do electrão e do neutrino), concluídas dez segundos após ter acontecido o Big-bang (mas como a temperatura era ainda suficiente alta, deu-se, no terceiro minuto, a seguir ao Big-bang, a nucleosíntese do hélio, deutério e lítio); a era radioactiva, que dura, aproximadamente, um milhão de anos, seguindo-se a era estelar (o domínio da matéria). O Universo organizou-se, a partir da era estelar, em grandes massas de matéria, composta essencialmente de hidrogénio, massas essas que, estruturadas pela força gravitacional, originaram galáxias, agrupadas em enxames e super-enxames, onde nasceram as primeiras gerações de estrelas. O acontecimento físico principal que se dá com e ao longo da era estelar é a continuação da nucleosíntese [síntese de nucleões, originando átomos cada vez mais pesados] no núcleo das estrelas, que tinha terminado no hélio. E se a maioria das estrelas morre, calmamente, com a nucleosíntese do ferro, o mesmo não acontece com as chamadas estrelas massivas – super-novas – que morrem violentamente: explodem e sintetizam elementos pesados até ao urânio, semeando-os pelo espaço interestelar (nunca Mendeleev, pai da Tabela Periódica dos Elementos, imaginou tal origem dos elementos!). Sem esta escória nuclear não teria havido planetas, vida, nós. O Sol é uma estrela, pelo menos, de segunda geração, pois o meio onde o nosso sistema estelar nasceu já continha todos os elementos da Tabela Periódica. Quanto à composição do Universo, os últimos dados apontam para 4% de matéria atómica, 22% de matéria escura e 74% de energia escura. Logo, só vemos 4% do Universo.
Veredicto cósmico: o Universo nasceu leve e caminha necessária e irreversivelmente para ser, cada vez mais, pesado. Isto é: para o seu esgotamento, fecho e enfarto. Para o ómega. Com o urânio, fecha-se a complexidade física atómica, como com o homem se fechou, parece, a vida. Se o hidrogénio é o alfa, o urânio é o ómega. Quando o hidrogénio se esgotar, não haverá mais azeite celeste para alimentar as aluminárias do céu. E as trevas dominarão o Universo. Que dia novo acordará delas? O deus-ciência não nos ampara, não nos salva; mostra-nos a realidade em toda a sua tragédia e esplendor. Para impotência nossa. Como tudo era mais seguro e eterno quando nada se sabia! Aos deuses antigos ainda podíamos orar. Ao deus-ciência não há oração possível. À fé sucedeu a condenação. Como as ideologias são um pai para aqueles que nunca chegam a ser adultos!
P.S. O meu pedido de desculpas: Ao Universo, pelo meu simplismo, ao leitor, pela paciência que teve, e ao jornal, pelo espaço que lhe roubei.