segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
O que é o tempo? Onde nasce? Para onde corre? Foge por nós como areia pelas mãos...Na ampulheta da vida, o presente é o escoar de grãos de tempo do futuro para o passado, que o Destino nos reservou. No rio da vida, onde as águas do tempo? A que mar aportaram? Em que nuvens viajaram? A que nascentes mataram a sede? Que rios semearam? Ser é história e vida conto. O tempo cósmico na sua viagem tem as suas estações, onde, ao contrário de nós, se renova. O ciclo anual – primavera, verão, outono, inverno – é uma síntese universal. A morte do tempo, pelo solstício de inverno, é, simultaneamente, tempo de ressurreição. Para que Deméter vista, todos os anos, a Terra de vida e cor, Plutão a cobre, primeiro, de nudez e morte. Que mão em sua mão a minha tomou e guia nesta redacção? Ontem, trazia os deveres na sacola, hoje, dentro de mim.
De um dia para o outro, o verde, que resistia nas copas das tílias, aquecido pelo sol outonal, o frio o queimou e o vento e a chuva, que se lhe seguiram, despiram as árvores de sua folhagem pintada pelo espectro tonal do amarelo e do vermelho velho. E as minhas hortênsias ficaram, como diz o povo, cosidas. Ao contrário da vida animal, o vegetal, criatura primeva, tem na hibernação a sua forma de agasalho e recolhimento. Até os meus vizinhos pardais, que passavam as tardes soalheiras a cantar empoleirados no loureiro, sob um sol outonal inusual, trocado e perturbador, se recolheram. O outono é o trânsito para o recolhimento da vida. Bem podíamos dizer que a vida vegetativa e a humana andam ao contrário: quando nos despimos, ela veste-se. Despem-se os humanos com a chegada da primavera, começam a vestir-se as plantas, com ela; agasalham-se os humanos pelo final do outono, despem-se, por essa altura, as árvores. Veste, lembra-me o adágio, o surrobeco pelo S. Martinho e tira-o somente pelo Santo António. Cada estação tem luz, sombras, cheiros, cores e paladares próprios, que só descobrimos quando tempo e vida se compaginam. Se primavera é rebento e pampo e verão painel e verdes copas, outono é amarelo e comedimento, e inverno nudez e lareira. O memorial outonal é marmelada que minha mãe faz na caldeira de cobre e põe a secar em malgas, e que as vespas descobrem mais depressa do que eu; caça que meu pai trazia aos domingos e eu recebia em correria alegre para os seus braços, enquanto, receoso e curioso, tocava nas perdizes, coelhos ou lebres que trazia pendurados à cintura; espectro da cor, advento das primeiras chuvas, olhar, agasalhado, pelas vidraças, orvalhadas, frades, míscaros e sanchas, ouriços, vindimas e mosto, e reacender da lareira.
Pelo outono, declina o sol para o meio-dia, aumentam as sombras e a aguarela da vida é mais nítida. Somos parte de uma tela que paga caro a sua realidade: passa. Como os frutos, amadurecemos quando entramos no outono da vida. Maduros para quê, se o inverno vem a caminho?
De um dia para o outro, o verde, que resistia nas copas das tílias, aquecido pelo sol outonal, o frio o queimou e o vento e a chuva, que se lhe seguiram, despiram as árvores de sua folhagem pintada pelo espectro tonal do amarelo e do vermelho velho. E as minhas hortênsias ficaram, como diz o povo, cosidas. Ao contrário da vida animal, o vegetal, criatura primeva, tem na hibernação a sua forma de agasalho e recolhimento. Até os meus vizinhos pardais, que passavam as tardes soalheiras a cantar empoleirados no loureiro, sob um sol outonal inusual, trocado e perturbador, se recolheram. O outono é o trânsito para o recolhimento da vida. Bem podíamos dizer que a vida vegetativa e a humana andam ao contrário: quando nos despimos, ela veste-se. Despem-se os humanos com a chegada da primavera, começam a vestir-se as plantas, com ela; agasalham-se os humanos pelo final do outono, despem-se, por essa altura, as árvores. Veste, lembra-me o adágio, o surrobeco pelo S. Martinho e tira-o somente pelo Santo António. Cada estação tem luz, sombras, cheiros, cores e paladares próprios, que só descobrimos quando tempo e vida se compaginam. Se primavera é rebento e pampo e verão painel e verdes copas, outono é amarelo e comedimento, e inverno nudez e lareira. O memorial outonal é marmelada que minha mãe faz na caldeira de cobre e põe a secar em malgas, e que as vespas descobrem mais depressa do que eu; caça que meu pai trazia aos domingos e eu recebia em correria alegre para os seus braços, enquanto, receoso e curioso, tocava nas perdizes, coelhos ou lebres que trazia pendurados à cintura; espectro da cor, advento das primeiras chuvas, olhar, agasalhado, pelas vidraças, orvalhadas, frades, míscaros e sanchas, ouriços, vindimas e mosto, e reacender da lareira.
Pelo outono, declina o sol para o meio-dia, aumentam as sombras e a aguarela da vida é mais nítida. Somos parte de uma tela que paga caro a sua realidade: passa. Como os frutos, amadurecemos quando entramos no outono da vida. Maduros para quê, se o inverno vem a caminho?