quarta-feira, 12 de julho de 2006

O ESTADO DA ARTE

Quem havia de dizer que Portas passava, de um dia para o outro, de condenado político a juiz da política? As medidas de coação política duraram pouco: de arguido passou a arguente e de silêncio preventivo a comentador. E, como se isto não bastasse, o seu espaço televisivo, na SIC Notícias, foi baptizado de estado da arte. Mais importante do que o acto de nomear é como e porque se nomeia. Acompanhem-me à pia baptismal. Se estão a pensar que Paulo Portas abandonou a crítica política para passar a ser crítico de arte, estão redondamente enganados. A arte aqui é outra. Melhor, as artes são outras. Se estão a pensar que Portas se tenha enganado e trocado arte do Estado por estado da arte, estão mais perto da verdade, mas, mesmo assim, enganados. Talvez, Portas, brincalhão como é, se tenha divertido ao espelho e com o espelho desta simetria. E podem questionar-se: não teria sido melhor ter-lhe chamado o estado do Estado? Tendes um pouco de razão. Mas não toda. O termo traz-me o conhecido adágio: presunção e água benta cada um toma a que quer. Eis, para espanto de nós todos, mas que não espanta nem atemoriza Portas, a definição do termo o estado da arte: «nível mais elevado de desenvolvimento de uma área científica ou técnica, alcançado num determinado período». O sintagma o estado da arte, nascido em 1910, em contexto tecnológico, num livro relativo a uma turbina de gás, é um sintagma com alguma fortuna semântica, para não dizer fino, de que Portas, fino que nem um alho, se apropriou.
A fazer jus ao nome, quererá Portas fazer-nos crer que, com ele, por ele e graças a ele, se atingiu, com o estado da arte, o topo e la crème de la crème da análise e comentário políticos? E como vai reagir a concorrência dos marcelos, dos pachecos e dos vitorinos à chegada de mais um palavroso? O «Paulinho das feiras» há muito que partiu. Era uma imagem de um político de terceiro mundo, que era urgente apagar. Depois de ter sido senhor das bélicas forças lusas, Portas não quer descer dos céus onde subiu. Pôs-se a andar do partido, após a derrota eleitoral, e só voltará, se voltar, para voos tão ou mais altos.
Não comungo da opinião de um comentador político que viu n’ o estado da arte prova do faro político de Portas. Portas, conta ele, à semelhança de um dos seus cães que descobre, mais depressa e mais longe do que os outros, o cheiro de uma fêmea com cio, viu, antes de ninguém, o vazio de oposição existente e ocupou-o. E discordo pelo seguinte: a não existência de oposição tem, neste momento, causas políticas e não político-partidárias. Portas não consegue viver sem poder e protagonismo: com o fim da coligação Santana (PSD)/Portas (CDS) e não podendo fazer, por enquanto, oposição político-partidária, criou a coligação possível: a coligação entre o poder da língua e a língua do poder. Se mais respeitador do significado original do sintagma, por que não chamar-lhe turbina palavrosa, em vez de o estado da arte?