quinta-feira, 17 de agosto de 2006

MEDALHAS, INDISTINTAMENTE

É claro, para toda a gente, que uma medalha é a forma de distinguir alguém. Mas já não é tão fácil saber o que é distinção. O facto de alguém ser claramente, e à vista de toda a gente, medalhado não contém em si a necessidade de ele ser distinto. Não temos que distinguir ninguém, o que temos é de prestar homenagem à pessoa onde a Distinção fez sua obra e morada.

Bem sabemos que há uma diferença, entre os planos de conhecer e de valorar, contudo, dentro do leque semântico da palavra distinção – correcção, educação, classe, excepção, nobreza, superioridade, dignidade, delicadeza, bom-tom –, quem não escolheria, para o caso que estamos a tratar, os seguintes significados: excepção, nobreza e superioridade, até porque estes contêm os restantes? E se a nível nacional é difícil encontrar estas três características numa só pessoa, que dizer a nível local? À falta de gente «valorosa», ou por esquecimento de quem o é, o critério de distinção ficou cada vez menos apertado e mais lasso. Sampaio ao medalhar meio mundo, mas esquecendo, ou esquecendo-se, ele lá sabe, de Óscar Lopes, vulgarizou as condecorações. Estranhamente, quem o condecorou foi Cavaco Silva, no último 10 de Junho. Para meu espanto, também estranhamente, ele aceitou, o que somente compreendo devido ao estado de fragilidade física e de saúde em que se encontra. Entende-se que Cavaco, para atenuar o seu défice cultural e criar uma nova imagem, não perca musal evento, ou algo parecido, para se mostrar, mas é já mais difícil de compreender quem se preste a por ele ser, culturalmente, condecorado, quando pela boca lhe saiu a frase da maior soberba intelectual e a mais anti-cultural alguma vez pronunciada por um governante: «nunca tenho dúvidas e raramente me engano». Lá politicamente, e quem da cor da sua alma, vá que não vá. Agora culturalmente, valha-nos Apolo! Eça de Queiroz dava tanto significado e tinha em tão grande apreço a sua medalha de Legião de Honra que a cedeu ao seu vice-cônsul em Paris, para ir a um baile: tire-a da gaveta e leve-a. Ainda a este propósito, ao ter D. Pedro V conhecimento da morte de Herculano, que amiúde visitava, e lembrando-se de ele ter recusado a medalha de Comendador Torre e Espada, fez o seguinte comentário: ele valia mais do que pensava e a medalha não vale coisa nenhuma. É caso para dizer que, na maioria dos casos, os medalhados de hoje valem menos do que pensam e a medalha o valor da cotação que o ouro e a prata têm no mercado. A transformação do acto de distinguir alguém num acontecimento social, num “favor” pessoal ou político, no cumprimento, por cumprimento, de um ritual, não só vulgarizou as medalhas como as tornou num alvo fácil de chacota e de ditos, delas fugindo quem real valor tenha.

Hoje, as medalhas são como aquelas mulheres que, a partir do momento que as vemos com certas companhias, não só perdem a respeitabilidade e credibilidade como ninguém as quer. Ninguém é como quem diz! Agora se me disserem que as medalhas têm como finalidade principal e maior fazer as pessoas felizes, levá-las a pensar que são o que não são, alimentar a sua mitomania e serem um escadote pessoal e social para quem é baixo social ou culturalmente, nada tenho contra. Se a felicidade é assim tão fácil de conseguir, por que não? Deitem-nas à rebatiña!