quinta-feira, 31 de agosto de 2006

DE NOVO, O MITOCÍDIO

Não auguro nada de bom o ter de voltar ao assunto. O que faz com que o Público seja o espaço, por excelência, de legitimação e incentivo ao mitocídio? O que faz correr o director do Público? O que faz com que José Manuel Fernandes esteja tão apressado em que o mitocídio se cumpra? Que desígnio o move? Que finalidade o empurra? Qual a razão da sua pressa? JMF não tem dúvidas nem se interroga. Sabe tudo. JMF é como todos os dogmáticos: o seu saber não radica no saber, mas no púlpito onde se escreve. Não contente de, há já alguns dias, o Público ter feito, em várias páginas, a apologia e defesa da exumação do túmulo de D. Afonso Henriques, no passado 6 de Agosto, volta à carga, em editorial, atirando-se contra as três razões, invocadas pelos responsáveis do património cultural, que impediram, «inopinadamente», a «equipa de cientistas» de violar o mito. Será que não há direito de opinar contra o cientismo?

Primeira razão, administrativa, que rebate assim: «a autorização para realizar o estudo não podia ser dada pela sua delegação em Coimbra, mas tinha de vir a Lisboa. O que significa que tudo o que é importante tem de passar por Lisboa. Pelo menos na cabeça dos dirigente do IPPAR e do Ministério da Cultura». Diz o povo que, quando a esmola é grande, o santo desconfia ou será que FMF se tornou defensor da Regionalização? JMF coloca-se em Lisboa ou fora, em função do que lhe interessa e não do que é essencial. Já lá vamos. Segunda razão: «... em casos como este, não chega vir a Lisboa: é necessário também receber o visto do ministro da tutela. Porque este tem mais competência científica? É pouco provável. Porque o caso é político? É bem mais provável, se bem que não se imagina como pode o fantasma do nosso primeiro rei atormentar os ministros de hoje». E, de forma nada elevada, continua: «O que imagina (depreende-se, sintacticamente, que D. Afonso Henriques!), isso sim, é que eles querem ficar na fotografia. Por isso, se a autorização vier a ser dada, lá teremos por certo comitiva ministerial a assistir». Senhor JMF, a questão antes de ser científica e um caso político, ou não, é um assunto de Estado e Nacional. E, por favor, exume-se e exima-se em descobrir onde estão os verdadeiros fantasmas. A terceira: «... apesar do mês que já transcreveu, os especialistas do IPPAR ainda necessitam de mais 45 dias para apreciar o difícil dossier». E ao seu melhor estilo: «no IPPAR também deve haver um qualquer regime especial de férias judiciais...». Veredicto: JMF reduz tudo a uma questão burocrática e administrativa! Uma hipótese: se, por acaso, amanhã o túmulo de Moisés fosse descoberto nas areias do deserto eu queria ver o JMF a correr para Israel a defender um exame pericial. Já! Era o ias! Levava um pontapé no rabo que nunca mais se veria no Público e em público. JMF confirma o ditado: o que o berço dá a tumba o leva: ao esquerdismo de ontem sucedeu o “direitismo” de hoje. O respeito que o mito lhe merece está bem patente no título do editorial: Compliquex! A terceira parte não só diz bem o que lhe dói como confirma que o editorial é mais um arrazoado do que um tecer de razões. Citemo-la, na sua parte final, porque vale a pena: «E se nos alivia a noção de que há problemas bem mais graves no mundo, deprime-nos sempre esta nossa maneira de fazer tudo trapalhona, provinciana e engasgada».

Não é este editorial – pelo voluntarismo, pela substituição da equação correcta do problema por uma lógica engasgada e pela atitude provinciana de chamar provincianos aos outros – o exemplo daquilo que acusa? O que JMF pretende é assunto, principalmente quando está sem assunto, pois pivot da dupla Cavaco/Sócrates. E já agora por que não pensar num projecto, científico, claro, que exume todos os reis e rainhas, ínclita geração incluída, mais Nunos, Vascos, Cabrais, Albuquerques, Fernãos, Pedros Nunes, Camões, de onde saia um álbum histórico-fotográfico a partir do qual a história seja dada?