domingo, 1 de abril de 2007

ANTROPOCENTRISMO OU XENOFOBIA?

Xenófanes viu, há vinte e seis séculos, aquilo que hoje continuamos, ainda, a não ver: «os homens pensam que os deuses se vestem, falam e tem um corpo como eles». E adiantou: se os animais pensassem, representariam os deuses à sua imagem e semelhança. Feuerbach e Marx, no século XIX, parafraseando-o e adaptando-o aos novos tempos, escreveram que os homens criaram Deus à sua imagem e semelhança. O Homem colocou tudo a girar em torno de si: a Natureza, a vida e os próprios homens. O homem não é o ser superior que se proclama ser. A superioridade do homem, dita pelo homem, é, no mínimo, auto-elogio. Estaríamos mais certos, se lhe chamássemos xenofobia biológica ou coisa parecida. O humanismo não deixa de ser uma forma de chauvinismo biológico fanático. É esta concepção solar e antropocêntrica que nos põe em guerra uns com os outros, com a vida e a Natureza. A dita superioridade do homem sobre os outros seres e o considerar a Terra como propriedade sua e a si sujeita fazem parte de uma forma mentis com raízes seculares e inclusive religiosas: depois de criar o homem e a mulher, Deus disse-lhes: «crescei e multiplicai-vos e enchei a terra e sujeitai-a e dominai-a sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra»। [Gen. cap. I, vers. 28] . Multiplicamo-nos de tal modo que, hoje, somos uma praga de 6 milhares de milhões de exemplares e, se a sobrevivência fosse democratizada, os mares ficariam, em pouco tempo, sem peixes, os céus sem aves, os campos sem animais e a Natureza despida de árvores.

É necessário, melhor, urgente, para salvação nossa, da Vida e da Terra, uma revolução coperniciana epistemológica e cultural, que retire o homem do centro do mundo, acabe com seu autismo e substitua a cultura humana, racista em sua essência, em relação à vida e ao cosmos, por uma cultura em harmonia com o natural। Que tem sido a Civilização senão um Holocausto da Natureza, da Vida e, por vezes, que não foram poucas, da própria espécie humana? Nunca, na história da vida, que já leva uns bons 3.5 milhares de milhões de anos, uma espécie interferiu e feriu tanto a Natureza e a vida como a humana, num espaço de tempo tão curto. Ao contrário do que se afirma, a espécie humana é, qualitativa e quantitativamente, mais bárbara hoje do que no passado, até porque os instrumentos de destruição e morte são em maior número e mais destrutivos. Reveja-se a História: o bárbaro é o «bom selvagem», o civilizado o mau selvagem. Revolução que tem de começar pelo Ensino. Como tudo está mal contado!

O homem não é o telos (fim) do Universo! No teatro cósmico, o primeiro actor foi a Física, seguindo-se a Química, depois a Vida e, por último, o homem। Apesar de termos entrado em cena, há pouco, já fizemos estragos a mais e que cheguem. Tão ou mais importante do que a nossa história de família, que pouco dura e que acaba nos avós. Tão ou mais importante que a história nacional, que dura mais do que a da família, mas que a maioria desconhece. Tão ou mais importante do que a história da humanidade, que dura mais do que a história das nações, mas que poucos conhecem. Tão ou mais importante do que todas elas, apesar de a mais desconhecida, é a história da nossa origem física, química, biológica e civilizacional. Sem franciscanismo, os animais são nossos primos biológicos, as plantas nossos familiares mais distantes e o pó, o barro de que somos feitos, a nossa eternidade. É urgente a substituição da cultura da superioridade do homem sobre todos os outros seres, vivos e não vivos, por uma cultura de família cósmica, respeitadora da Natureza, da Vida e de sua Casa local: a Terra. Para reflexão: se as outras espécies emitissem um juízo de valor sobre a nossa, que pensariam de nós? E como a palavra humanidade ganharia um significado bem diferente!