segunda-feira, 9 de abril de 2007

A UNAS NARICES

A una nariz


Érase un hombre a una nariz pegado,
érase una nariz superlativa,
érase una nariz sayón y escriba,
érase un pexe espada mal barbado. // (…)

[Francisco de Quevedo (1580-1645)]

«Era uma vez um homem a um nariz pegado / era uma vez um nariz superlativo...»। A primeira descoberta de nós acontece na puberdade: o rapaz começa a olhar para a sombra e a rapariga para o espelho. Aqui, nada há de «pegado», mas saúde, porque só parte para o namoro quem de si está enamorado. Bem diferente é quando caímos em soberba, importância e vaidade. Os pecados mortais empestam a alma e o corpo deforma-se: passa a ser um apêndice do nariz. Um homem vaidoso transforma o que no feminino tem graça em fealdade. Ele é o nariz. Era uma vez um peixe, a lembrar o pargo mulato, que, ao tornar-se pescador da própria espécie, acabou no anzol da sua cana de pesca, no primeiro dia em que voltou à água. E me perdoe Hieronymus Bosch o plagiá-lo em suas metáforas: quantos homens-peixes andam, inchados, pendurados do seu nariz, acabando pescados no anzol que lançam aos outros? Depois, esperneiam, rebolam-se e abrem as guelras: esta a sua forma de se mostrarem vitoriosos.

Eles são nariz e corpo apêndice, mas a que não querem ser operados, porque a operação, apesar de os trazer à normalidade, lhes poria o nariz no sítio। O nariz é tudo. E, sem normas de asseio, transformam o que é para assoar em montra a mostrar. Humanamente, deformados, não só não dão conta da sua monstruosidade como a pavoneiam. Vivem dependurados da sua importância. «Senhores do seu nariz», diz o povo. Autistas, só vêem o seu nariz e não a deficiência em que vivem e são: «auquitarras pensativas» de onde escorre, em fio, a mucosidade da sua importância; «peixe espada mal barbeado», porque pelo adubado com o estrume da importância cresce muito; «esporão de galera» no mar da vida, emproada pelos ventos da sorte, fortuna e poderes, fortes quanto breves; faraós com um nariz a concorrer com uma «pirâmide do Egipto»; as «doze tribos de narizes», porque, a não ser eles, mais ninguém tem direito a nariz, ou sob a forma de superlativo semita: o nariz dos narizes; um nariz «superlativo», em moncos; «naricísimo infinito», porque a maior mentira não é mentir aos outros, mas a nós; Cyranos de Bergerac, porque não ficam pelo seu nariz, mas pelo nariz que os outros lhe põem, pois quem da importância usa e abusa com o nariz de ridículo se arrisca a ficar.

Que seria do seu nariz, sem serventes, acólitos e poderes? E como era um acto higiénico que assoassem o seu nariz, perdão, a sua importância, e vissem a sua verdade estampada no lenço.