quinta-feira, 29 de março de 2007

AFINAL...


A suspeição sobre o percurso académico de José Sócrates não é de hoje. E a razão por que somente agora ela se soltou e saltou para a imprensa também não é filha do acaso. Finalmente, dizem os jornais (o que blogues sérios e assinados há muito diziam!): Sócrates não é engenheiro, é licenciado em engenharia e o seu percurso académico uma trapalhada que urge investigar e esclarecer. A diferença entre engenheiro e licenciado em engenharia daria, só por si, para uma crónica. Muito brevemente: José Sócrates, licenciado em engenharia pela tão falada e badalada Universidade Independente, não podia ter o grau de engenheiro, pois os cursos de engenharia da dita UnI não tinham, nem têm, a acreditação da Ordem dos Engenheiros nem Sócrates fez o exame à respectiva Ordem para o conseguir. Talvez porque o seu “destino não era a engenharia mas o pensamento abstracto”!

A suspeição sobre o modo como José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, bacharel pelo ISEC (Instituto Superior de Engenharia de Coimbra), com a classificação de 12 valores (ou 12,8, segundo o Sol?), conseguiu a licenciatura em Engenharia pela UnI é assunto quase tão velho quanto o próprio governo e a razão por que o Público, que tem sido dos principais, senão o principal pivot da política do nosso licenciado, lhe dá, na sua edição de 22 de Março passado, dois sérios avisos, não parece ser estranha à posição tomada pela governo na OPA à PT. O primeiro aviso: a fotografia, na primeira página, do primeiro-ministro no debate na AR é criteriosamente escolhida – o fácies de rancor, o ar de mau e de ameaçador, e o dedo em riste (apontar com o dedo é feio, senhor José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa) dão a imagem de um homem visceral e emocionalmente descontrolado. Ao lado, o segundo aviso: a investigação ao percurso académico de Sócrates: «falhas no dossier da licenciatura de José Sócrates», com desenvolvimento nas páginas 2 a 5! O que lemos comprova a imagem que a UnI tem dado nestes últimos dias: faltam timbres e carimbos nos documentos do ex-aluno José Sócrates, as pautas não estão assinadas e as notas da pauta e as lançadas nos livros não coincidem, havendo dois casos em que as classificações passam de 17 para dezoito e um em que passa de 17 para 16! (imaginem que o nosso licenciado tem alguma vez a necessidade de fazer um concurso público: qual a nota com que vai concorrer?). Por outro lado, o ex-aluno anónimo José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa tem, no ISEC (Instituto Superior de Engenharia de Coimbra), QI para 12 valores, mas o político Sócrates mais a pedagogia da Universidade Independente fizeram dele quase um génio: dezasseis, dezassetes, dezoitos! Aproveitamos para solicitar a Maria de Lurdes Rodrigues, professora agregada no ISCTE e sua ministra da educação, que não só trate pessoalmente deste caso (não é ela, olhando ao seu currículo académico, uma expert em engenheiros, embora não sendo engenheira, e um deserto em educação?), como se desloque à Universidade Independente e lhe peça a receita da poção mágica que transforma um aluno normal num génio e erradica o insucesso escolar. A promiscuidade entre política e Universidades privadas (e algumas públicas) bem merecia uma investigação. E de boa se livrou Sócrates: o não ter tido como professor Santana Lopes!

Do que lemos na referida edição do Público – confusão entre política, PS e UnI (em 1995, o aluno José Sócrates, então Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente do governo de Guterres, tem como professor, na UnI, o socialista António José Morais, adjunto de Armando Vara, Vara que está, hoje, na CGD pela mão de Sócrates...) e muitas... muitas interrogações (Sócrates não sabe o nome dos professores!) que se levantam sobre o modo como o licenciado pela UnI tirou a licenciatura em engenharia –, não nos admira nada que o advogado José Maria Martins tivesse apresentado uma participação na PGR sobre o currículo académico de Sócrates.

Post scriptum. E se pasmado estava mais pasmado fiquei quando entrei no blog Do Portugal Profundo! É indispensável visitá-lo. Terminamos com o elogio de Luís Arouca (reitor ou lá o que é da UnI) a Sócrates:«O nosso primeiro-ministro terminou o curso com 16 valores. Talvez nunca tenha ouvido Beethoven ou lido Goethe, mas é um tipo brilhante, de rápido raciocínio e inteligência prática». [Fonte: 24 Horas, 28-2-2007]

quinta-feira, 22 de março de 2007

O QUOTIDIANO


«Todo lo cotidiano es mucho y feo»
[Francisco de Quevedo, in «Hastío de un casado al tercero dia»]

O que nos cansa e, lentamente, mata não é o trabalho, mas o não trabalhar ou o trabalho que não nos realiza. A diferença entre o que não tem trabalho e o que o tem por ter é quase nenhuma: o primeiro cansa-se por não ser, o segundo cansa-se para não ser, tendo como única recompensa um salário salgado e curto. Feliz daquele que, pelo trabalho manual ou intelectual, se realiza pelo que faz, porque criativo. Só criando nos criamos. Só recriando nos recriamos. Só amando o que fazemos nos fazemos e amamos. Só amando-nos amamos. A vida é, por regra, rotina. E quando não nos pertence, desfazemo-nos naquilo que fazemos. O quotidiano é repetição, insensibilidade e cumprimento dos horários dos outros sem tempo para nós. O quotidiano é como manguitos roçados e gastos; hábito cheio de borboto; ambiente fechado com cheiro a mofo e bafio; fastio de viver.

A maioria está condenada ao quotidiano. Uma minoria a alimentar-se dele. Raros os feitos à imagem e semelhança do demiurgo. A expulsão fez do homem presa do homem. O pulso é expulso e o impulso expulsão maior. Quem quiser matar alguém dê-lhe trabalho a mais ou não lhe dê trabalho nenhum. O animal não vive no quotidiano, mas na naturalidade. O animal cumpre a natureza. Nós, na nossa liberdade, não nos cumprimos. Não bastava já o emprego que o próprio desemprego se tornou na forma mais cínica de escravatura do nosso tempo, melhor, de fazer de uma pessoa um condenado a vadiar no não ser. Se o empregado é, muitas das vezes, um expulso, mesmo estando dentro, o desempregado é o expulso sem nunca ter entrado. A vida é, cada vez mais, condenação e expulsão, mais sobrevivência e menos vivência. Dois os fardos: o insustentável fardo do não ser e o de proibido de ser. «O que a vida – escreve Agostinho da Silva, em Doutrina cristã – apresenta de pior não é a violenta catástrofe, mas a monotonia dos momentos semelhantes; numa ou se morre ou se vence, na outra verás que o maior número nem venceu nem morreu: flutua sem morte e sem esperança». Alguém perguntou a um pedinte de uma cidade norte-americana o que o fazia viver. Ele respondeu-lhe: o hábito.

Durante a nossa vida, quantos dias saímos do quotidiano? Nas contas da vida, quantos os dias nossos? Quantos os sonhos que saíram da noite? Quantos os dias em que imitámos o Criador? Quantos à sua imagem e semelhança? Quantos em que não mandámos nem obedecemos, mas nos fizemos? Se todo lo cotidiano es mucho y feo, que dizer de todos os quotidianos de uma vida inteira somados?! Na mater(ia), nada se repete: não há dois electrões iguais no universo! Contudo, a Humanidade “evolui” à custa da repetição. A Humanidade, além de ser uma tragédia e um desperdício, é contra naturam: a espécie homo sapiens não só inverteu a biologia – homem lobo do homem –, como condena a Terra e a Vida e fecha as portas à evolução desta. A nova catarse para a tragédia é a natureza terrena da nova religião. O domingo é cada vez menos o dia do ópio do além e mais do aquém. O consumismo apoderou-se dele: os Shopping Centers são o céu terreno, onde, ao fim de semana, se vai gastar o inferno que se ganhou ao longo da semana. Todo lo cotidiano es mucho y feo. Contudo, como o dia é breve quanto belo! Quantos o são? Olhai as aves do céu a saudarem-no e serem-no em cada dia que nasce, em seu voo e chilreio – enquanto nós, estremunhados, berramos contra o despertador – e as plantas a beberem luz, que alimenta o rés-do-chão da vida.

sábado, 17 de março de 2007

DA BATOTA POLÍTICA E DA POLÍTICA DA BATOTA

Com o advento de Sócrates ao poder, o jogo político viciou-se. Se alguém tinha dúvidas, os últimos tempos têm vindo a mostrar a contradição em que vivem todos os quadrantes:

(i) As maiores manifestações, de sempre, de professores e da função pública realizaram-se contra este governo “socialista”; apesar do executivo ser socialista, nunca tinha havido um governo tão de direita, arrogante e que tanto amesquinhasse os seus trabalhadores como este; nunca os direitos foram tão atacados; nunca as políticas da educação e saúde foram tão contestadas, devido à destruição e perversão do ECD, ao fecho de escolas, de urgências e de maternidades, enquanto no deserto criado, emergem hospitais privados! O que faz correr Correia de Campos – estrategicamente, escondido, desde há uns dias – a fechar tudo em nome de uma estatística abstracta? E se as manifestações e greves somente se fazem sentir na Administração Pública é bem o sinal dos tempos: que aconteceria aos trabalhadores do sector privado, caso fizessem greve? A liberdade sindical está, de certo modo, reduzida aos trabalhadores do Estado. E mesmo estes que se cuidem! Este governar ao centro-direita com os votos maioritários de esquerda é honesto? O engenheiro, pela prestigiada Universidade Independente, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa diz que está cumprir o programa eleitoral!

(ii) Por outro lado, o governar ao centro-direita anulou a oposição dos líderes dessa área política e, consequentemente, a influência dos respectivos partidos. Esta a causa por que nas últimas semanas, temos assistido a reacções, por parte da direita político-partidária, à monopolização do centrão levada a cabo por José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Depois do anúncio de Portas, o comportamento de Marques Mendes sofreu algumas alterações: opõe-se, opõe-se, quando o que devia fazer era bater palmas ao governo e, quando se opõe, fá-lo mal (é o caso de se opor ao fecho Embaixada no Iraque), e o pedido de uma audiência a Cavaco para dar eco à sua contestação à OTA é já consequência do efeito-Portas. E Santana, que, tal como Portas, não pode estar quieto, calado e amarrado, vem, também, falar da necessidade de uma redefinição da direita e do centro-direita. Tudo isto, porque José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa baralhou de tal modo a política que joga com os trunfos da direita. Contudo, ao contrário de Portas, que pode trazer algum frisson, as aparições de Santana podem, pelo contrário, ser uma bênção para o executivo socratista.

(iii) E, para agravar a confusão e a contradição, não é que Cavaco comemorou o ano de presidência, agradado com actuação do governo e incentivando-o a não desperdiçar as condições favoráveis (maioria absoluta) para fazer as “reformas necessárias”? Que querem PSD e CDS, quando o ás de trunfos e o mundo económico-financeiro estão com Sócrates? E que ilações políticas daqui se podem retirar, senão estas: estai calados, seus tontos, estai calados, porque enquanto assim governar bem estamos! Em lugar de criticar, ponde os olhos nele! E quando José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa se negar e fizer o desvio político-eleitoral à esquerda, cá estamos!

(iv) Em jeito de síntese: a direita político-partidária geme, porque sem poder, enquanto a direita económico-financeira coça a barriga de contente (Cavaco incluído); os partidos à esquerda do PS barafustam, mas não combatem, não tendo estado à altura, no plano político, da luta que tem havido nos planos sindical e social, enquanto a população, em geral, geme. Ouvimos de vez em quando: já não há homens de palavra como dantes; essa verdade dura chegou, há muito, à política. Apesar disso, a política da batota é incensada e sacralizada pelos sacristães dos media.