quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

A VERDADE E O MONSTRO

Às vezes enganamo-nos, mas, desta vez, não é engano: queremos mesmo dizer o que escrevemos e não o que estão a pensar: A Bela e o Monstro. A propósito d’ A Bela e o Monstro: a antítese da história revela-nos a relatividade do gosto – a beleza, quando em excesso, vê a beleza no seu contrário: o feio em excesso. Uma mulher muito bonita apaixona-se, geralmente, por um homem feio. Esta a minha sorte.

A Natureza tem o motor e a harmonia na lei dos contrários. Segundo o polemos heraclitiano, que tudo governa, e a lógica, que ao pensar preside, o contrário de verdade é mentira e o de verdadeiro falso. Por que razão, então, o monstro em lugar de mentira? Porque, quando há lavagem do falso, o resultado é, sempre, uma monstruosidade. Esta operação lembra-nos Frankenstein, seu método e laboratório. Procurava Frankenstein melhorar o ser humano, mediante cirurgias em que substituía certos órgãos por outros que retirava de cadáveres. O resultado era sempre, apesar da utopia, um monstro. A utopia de aperfeiçoar o biológico ou o mundo teve sempre resultados contrários aos desejados, porque sempre pariu monstros biológicos ou políticos, apesar das “boas intenções”. A pior ditadura não é a da vida, mas a das ideias, que só o confronto impede. Apesar de tudo, como constatamos, a democracia também gera os seus “monstrosinhos”. Caso não houvesse ideias não havia nem ditaduras nem liberdade. Havia vida. Se, no plano individual, ninguém consegue impor a sua ideia ao outro (e ainda bem), no plano político, o meio é a ditadura, em nome de Ideias, ou em nome das ideias da economia e da economia das ideias, quando não em nome da democracia! A interferência no biológico, que se advinha, pela aplicação do saber da génese, programação, estrutura e funcionamento da vida, tornará o homem um ser ainda mais artificial. A vida artificial está mais próxima do que se imagina. A longevidade de hoje não é já artificial? Outro extremo é a religião que, ao contrário daqueles que visam corrigir o mundo, o quer substituir por outro. Uns cirurgiões do ser, outros infiéis ao ser e fiéis a Deus. Qual a maior doença?

Entremos, agora, no laboratório da lógica frankensteiniana. Hoje, a realidade é a imagem. Só existe o que aparece. Eliuh Karz afirma que a televisão mata o intermédio: os partidos, o Parlamento, nós. Eu acrescento: mata o silogismo. E se, no plano da escrita, verdadeiro e falso têm que ser suportados por uma argumentação, no plano da imagem, ela suporta-se a si mesma, limitando-se o apresentador, o próprio nome diz tudo, a fazer a sua apresentação. A imagem que nos é dada do Mundo, e que está subentendido ser a verdadeira, passa por um processo frankensteiniano: pedaço daqui, pedaço dali, tira daqui, põe ali, retoque de um lado, retoque de outro, meia verdade daqui, mentira inteira dali. A imagem «editada» da realidade que percorre os telejornais de todo o Mundo, e a “explica”, é, na maioria das vezes, um monstro. A História é, hoje, uma monstruosidade global e nada melhor do que um monstruosidade para a dizer. Todos os dias, é-nos dada, gratuitamente, através de telejornais, comentários, documentários, a verdade toda. Gratuitamente? «Não há almoços grátis». Quem suporta hoje a política não é a verdade nem a mentira, mas o monstro, que tem como Frankenstein o pensamento único e laboratório os editoriais dos media, onde, à custa de vermos mortos e despedaçados, nos transformam no maior dos monstros: não vermos, insensíveis, a monstruosidade em que o mundo está transformado. Até que a realidade, um dia, nos bata à porta!